sábado, novembro 29, 2008


ontem, enquanto o sono não me vinha buscar a mente, pensava em como desenvolver a ideia da inutilidade da vingança. ainda antes de adormecer, cheguei à conclusão de que há uma parte da reflexão que tenho por fazer, antes que consiga converter o que sinto intuitivamente em argumentos perceptíveis. um dia destes terei ideias mais claras. mas de que é inútil e pequena não tenho dúvida íntima, mas é isso, é uma certeza íntima, uma parte da questão ainda permanece averbal.
La mariée était en noir

François Truffaut (1968)
entre a catadupa de trabalhos que me reserva este fim-de-semana, com tempo físico e margem de reflexão, procurarei escrever sobre a inutilidade da vingança.

quinta-feira, novembro 27, 2008

quarta-feira, novembro 26, 2008

a meio do eixo central, olhando com atenção, percebe-se um ponto redondo, entre a escuridão. o fecho para travar ou destravar a janela. esteve sempre lá. está. no momento da foto, só era preciso olhar com um pouco de atenção ou mudar o ângulo de captação, ou fazer um malabarismo de luz com os milagres da máquina, ou esperar por outra altura do dia. se eu conseguisse explicar o quanto me disse das coisas do espírito esta foto... é melhor ficar por aqui. se me entusiasmo a tentar, muda a luz do dia e ainda estou a escrever o post. escapo-me já aqui -> .

segunda-feira, novembro 24, 2008

o guardanapo

ontem, à hora de jantar, reparei que estava um ponto vermelho a mexer-se no chão da cozinha. cansada, depois de um domingo em que tive de pôr trabalho em dia, duvidei da minha capacidade visual. mas era: uma joaninha. há muitos anos que não via um bichinho destes. fui, prontamente, salvá-la da curiosidade do gato, que não resistiria àquele ponto em movimento. a dita não saía de um dos quadrados da tijoleira. esticava-lhe o dedo, rodando-o em várias direcções, experimentando vários ângulos, esperando que ela subisse. nada. tive de pegar num guardanapo para simular uma superfície acima do chão onde ela passasse, para a poder apanhar. foi assim que consegui pegar-lhe e levá-la para o éden dos canteiros do pátio.
ao voltar, enquanto subia as escadas, a enregelar com o frio da noite, pensava nos dedos e nas mãos que nos vão apontando portas e caminhos e que desprezamos, contornamos ou nem chegamos a encarar como possíveis, sem sair da mesma quadratura contextual, como a joaninha no quadrado da tijoleira. chega a ser preciso que o chão abane e se renove a plataforma que pisamos, até que uma espécie de guardanapo nos envolva e mostre a saída. não deixem tudo para o macaco: ontem percebi que também nos assemelhamos à joaninha.

domingo, novembro 23, 2008

que mania da

p
r
o
f
u
n
d
i
d
a
d
e

que mania! que m-a-n-i-a!

sexta-feira, novembro 21, 2008

O medo provém dum certo cultivo da imaginação, da consideração extrema pela vida, que é coisa distinta do amor por ela; considera-se aquilo que se teme perder, mas amar é sempre um estado de audácia, de êxtase, situação de jogador que lança os seus dados e arrisca.

(negrito meu)

Agustina Bessa-Luís in A Sibila

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quinta-feira, novembro 20, 2008

Pieter Janssens Elinga (1623-1682)


S:
profetizando que venhas já acusar-me de reprodução de influências, eu assumo-a, antecipadamente. gostei realmente dos recortes de luz deste senhor. publico o post em sintonia. obrigada pela boleia!

quarta-feira, novembro 19, 2008

(re)conhecimento
no domingo, não se conseguia entrar na rua. os bombeiros e o inem barravam-na quase totalmente, à porta de uma das casas do lado par. uma vizinha tinha-se sentido mal, informava-me um outro vizinho, que entrava no carro nesse momento.
paremos neste plano.
cumprimento-o desde sempre; faz parte da galeria de caras familiares por geografia, mas alheias por cumplicidade. nunca como no domingo tínhamos trocado algumas palavras além da clássica saudação, sempre com a rua de permeio: ele, a entrar no lado par, eu, no ímpar. percebi que tem os olhos mais amendoados do que se possa perceber à distância e uma voz bastante enrouquecida, que os como está? também não denunciam. a percepção que tenho do indíviduo alterou-se. drasticamente. e eu que achava, desde sempre, que conhecia perfeitamente aquela cara. nada disso. não está aqui presente qualquer questão de agrado ou desagrado estético (Deus me livre de romances com os inquilinos da frente: esse cenário está reservado a pessoas de papel, nos livros...) o que exponho é o sentimento de não reconhecimento, de alteração de referente. o rosto com quem falei não era o mesmo que o rosto que cumprimento a uns paralelipípedos de distância.
a este propósito, reflectia no não reconhecimento de um qualquer pormenor íntimo, sobretudo quando a proximidade geográfica e a cumplicidade são constantes. há uma expectativa interior, visceral, de coerência, confirmação, identificação, de reconhecimento. terá tanto de legítima como de ingénua a dita. o não reconhecimento, dos outros, e o de nós próprios, ao contrariar uma espécie de princípio cumulativo (interage-se e vive-se há muito tempo, logo, reconhece-se muito bem), é capaz de ser uma das questões mais assustadoras, e, por isso mesmo, mais incríveis do respirar.
entretanto, já com o almoço praticamente todo ingerido, voltei ao mundo da mesa do almoço de família, voltando a ouvi-los, reconhecendo (aqui, claramente) os protestos clássicos da minha avó em relação ao arroz.

terça-feira, novembro 18, 2008

domingo, novembro 16, 2008

A Change of Heart: está lido.
entre os pareceres finais que alguns médicos vão tentando esboçar, recorto este.

Larry Dossey, who offers several possible explanations, is a physician of internal medicine and the author of, among other books, Recovering The Soul and Healing Words: The Power of Prayer and the practice of Medicine. He is also executive editor of the journal Alternative Therapies in Health and Medicine.
« The possibility that a living person might take on the personality traits, behaviors, and even memories of a deceased individual is an ancient concept. This is the idea behind reincarnation, the belief that there is a continuity between individuals living and dead.
Can donated organs mediate such a continuity? And if so, how? The biologist Lyall Watson, in his book The Nature of Things: The secret Life of Inanimate Objects, proposes that physical items with which we are intimate contact can somehow take on our "emotional fingerprints" and store our thoughts and feelings. Later, under the right conditions, they can come to life, as it were, and act in surprisingly lifelike ways. Watson has collected a vast array of examples suggesting such an effect - cars starting up by themselves and driving off, for examples, and objects such as rings, jewelry, and dolls that behave as if they were alive.
If inanimate objects can store our feelings and thoughts, why not our own body parts? But how this might happen is not clear.
Far more likely, in my view, is that the consciousness of the donor is fundamentally united with the conciousness of the recipient, which enable you to gain information about your donor. Receiving the donor's heart did not actually cause a mechanical transfer of experiences from one person to another, but somehow intensified a mental connection that was already present.
Surveys show that most people experience, at least occasionally, phenomena such as telepathy, clairvoyance, and precognition. And many of us have experiences suggesting that our minds are indeed united (...) We are gradually arriving at a picture of conscoiusness that I call «nonlocal mind» - what our ancestors called The Universal Mind, or the One Mind. In this view, the mind is not limited by time or space; it cannot be localized or confined to individual brains and bodies, or even to the present. At some dimension of consciusness we are all united as a single, seamless whole. But most of us prefer ti retain the idea that we are solitary individuals, isolated physically and nentally from everyone else.
Throughout history, however, people have discovered ways of realizing their mental connections with others. Sometimes physical objects serve this purpose, as in a ring that helps two lovers realize their unity(...) Some palm readers acknowledge that the palm is merely a device, a go-between that allows the palmist to enter that realm of consciousness where information about another person can be accessed. I wonder: could the heart that you received have been functioning as a palm, enabling you to focus attention in a dimension that would normally be closed to you, and to gain information about your donor?
I also wonder: are other organ recipients having similar experiences? Before it became acceptable to speak of them, we believed that near-death experiences were rare. But when people who underwent ressuscitation in modern hospitals were surveyed, it turned out that these experiences were actually rather common. Post-transplant experiences such as yours may also be more widespread than we think.»
adjudica-se a legenda para esta foto.

quinta-feira, novembro 13, 2008

da partilha

escreve um aforismo no wc. generaliza a canivete, atrás da porta. desenha isso na areia e aponta a quem passear à beira-mar (deixa o indicador permanecer com os grãos na ponta). dependura essa verdade com molas, deixa-a a secar na janela que for virada para a rua.

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quarta-feira, novembro 12, 2008

- não tem nada a ver com a questão signo e essência. ou melhor, tem e não tem.
- essa é uma questão que se coloca sempre. saibamo-lo ou não.
- claro, a indissociabilidade pensamento-linguagem. fatal e irreversível, já se sabe. mas a maior dificuldade em definir os momentos de felicidade profunda não tem que ver só com o modo como se diz, com o vestido das coisas. neste caso, que tento explicar-te, o problema reside na apresentação da questão em si e no seu motivo.
-achas que não levaria o motivo a sério, que o acharia ridículo?
- não, porque isso nunca poderia acontecer...
- não podia? como não, se ainda há pouco me olhavas de soslaio enquanto eu me ria da vizinha? é a mesma questão: a subjectividade da causa.
- certo, mas neste caso, nem por aí poderíamos conversar. é i-m-p-o-s-s-í-v-e-l!
- p-o-r-q-u-ê?
- não há.
- não há o quê?
- não há motivo para este momento de felicidade que te tento explicar. acordei assim e nada entre ontem e hoje ocorreu de diferente ou relevante.
- nada, quer dizer... nada de palpável, de cognoscível. decerto que algo terá acontecido.
- claro que sim, mas eu não faço ideia. é por isso que não te posso explicar.
- queres partilhar esse acesso de felicidade e não consegues. isso não a subtrai? não te faz um pouco menos feliz, por ser algo tão solipso?
- não subtrai em nada. mas tenho pena de não conseguir distribuir ou canalizar para o outro. terei de aprender os segredos do contágio. aqui a partilha tem de ser como a gripe: assaltar-te com bactérias invisíveis.
- vem para junto de mim, então.

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terça-feira, novembro 11, 2008

Minguante nº 12 >

segunda-feira, novembro 10, 2008

o gato preto
ontem, um gato preto olhava para o mondego, num pequeno muro sobranceiro ao rio. o rabo em côncavo, como uma hélice pousada. desprovida de máquina, hoje escrevo o gato, escrevo o pêlo preto, brilhante, escrevo o sol e escrevo o mondego. escrevo-os para evocar o pormenor que não pude captar com nitrato de prata. ao lamentar não ter uma máquina, dou comigo a pensar no que se pode tornar a motivação da escrita. estamos sempre sem máquina quando toca a fotografar o caroço de uma experiência, de uma memória. mesmo que ela esteja no bolso ou na mochila. estamos sempre sem máquina. a escrita sempre pode costurar um vestido que se leia e para onde se pode olhar depois.

sexta-feira, novembro 07, 2008

Amor Omnia

Gertrud
Carl Dreyer (1964)

começo pelo fim, pelo repicar dos sinos, logo frisado no comentário prévio de oliveira à sessão. deu-se comigo uma curiosa coincidência: ontem de manhã, mal sonhando eu que este seria um ingrediente do filme que veria à noite, ao passar rente à igreja de santo ovídio, pensava como é plural o signo acústico do sino. chamada para a missa natal páscoa baptizado casamento procissão funeral. perturba-me sempre ouvi-los, embora goste da sonoridade. creio que a recordação simultânea de uma série de situações completamente diferentes me desorientada. no filme: os sinos assinalam a vitória conceptual da determinação de Gertrud, firme nos seus últimos anos, ou entoam uma balada amarga e fatalista? anunciam um término pessimista ou um término libertador? não me decido...

vemos Gertrud reflectida pelo espelho, ladeado por duas velas, na cena em que estas são acesas por lidman, antigo companheiro, inconformado. Gertrud, porque me deixaste? entre as pequenas velas, senti a figuração de uma veneração. Gertrud, porque me deixaste? mas mais forte em terá sido o impacto do espelho como percepção da incompreensão da personagem por parte dos homens a quem se ligou, que da sua essência, do que a poderia ter completado, apenas possuiram um pálido reflexo. Gertrud, porque me deixaste? entretanto, kannig, o marido com quem se encontra em ruptura, entra em cena e apaga as velas. [uma dúvida terrível, de quem só viu o filme uma vez, se não estiver errada, que caiam os parênteses rectos, porque é o comnetário complementar a esta ideia do simulacro versus essência: anteriormente, em casa do jovem amante pianista, de Gertrud a desnudar-se, vemos unicamente a sombra na parede. uma sombra.]

o que faltava ao beijo de Gertrud para que se pudesse sentir, durante segundos, a suspensão do tempo ou uma micro-taquicardia, sempre indissociáveis da visualização de um enlace verdadeiro? ontem debatia-me com a questão, desapontada, no escuro da sala; isto, antes de conhecer o intuito íntimo do jovem amante de Gertrud. hoje, depois de reflectir e de conhecer o desenvolvimento do filme, consigo ver como o impacto foi justo: não havia, afinal, uma assimetria entre a concepção de amor e sua efectivação entre ambos?um beijo desenha-se a dois. já o olhar de Gertrud, nos momentos de suposta doce ilusão, é elemento que não depende da interacção para se assinalar, como um beijo. de qualquer modo, é possível que assim seja mais justo, o modo desancorado do objecto como o olhar é exibido nalgumas cenas significativas, reforça o grau de idealização amorosa da personagem que a leva às derradeiras consequências no curso da sua vida.

tenho vindo a organizar pequenos pormenores do filme, esquivando-me à análise da opção final de Gertrud de abdicar de tudo e rumar sozinha para o seu eremitério, em nome de uma apertada concepção de amor. enquanto faço a digestão do filme, vou tentando peneirar o que há de orgulhoso e castigador e o que há de procura genuína e idealizada do amor na personagem. sinto que a questão das cartas devolvidas ao velho amigo com quem se reencontra, numa visita à sua velhice solitária, e que o pequeno poema composto na juventude que com ele partilha são importantes. mas tudo isto me pede um novo reencontro com Gertrud, para que possa falar sem névoas na memória. até lá. por hoje, é melhor ficar por aqui ->.

rascunho para post definitivo sobre Gertrud

notar o uso pueril de desconsolada, por Oliveira, no comentário introdutório do filme, em contraposição com a minha opção por desolada e tirar algumas dúvidas linguísticas quanto à raiz de ambos os termos; perceber o que é que não funcionou no meu íntimo em relação ao olhar de Gertrud nos momentos não disfóricos (porque nos disfóricos não senti desajuste); o espelho e as velas de cada lado e a ideia da perspectiva do outro como um reflexo que não se capta, nem se entende completamente, pensar melhor nisto e na cena em que lindman acende as velas e se vê Gertrud pelo espelho; ver se entendo o que não tem o beijo de Gertrud, que dado sob aquelas premissas deveria fazer parar o tempo ou acelerar o coração e assim não resultou (terão sido apressadas as cenas?); as cores dos vestidos de Gertrud e as fases biográficas; a revelação, a descoberta de algo sobre o íntimo do outro através da leitura de papéis pessoais, a crueldade de uma revelação lida versus a atenuação (?) da dor por uma confissão directa (tenho de esclarecer melhor isto com os meus botões); a ambiguidade acústica dos sinos, como signos; faço ou não um link para o senhor Pirata (que há-de reconhecer a questão das nossas conversas, pela divergência conceptual que tem comigo, se acontecer que leia isto) para reforçar certas convicções que tenho em relação ao amor, ou deixo para uma conversa posterior?; ficar na dúvida se, quando (se) chegar à idade de Gertrud no final do filme, continuarei a subscrever integralmente o que agora subscrevo, desconfiando que sim; pensar bem no que há de orgulho ou apenas idealismo depurado no processo de escolha de Gertrud; fica amor omnia para título?

quarta-feira, novembro 05, 2008


A Cigana Adormecida
Douanier Rousseau
(1897)

segunda-feira, novembro 03, 2008

acho cómico que qualifiquem alguns cuidados com o outro como muito cristãos muito espirituais, com uma espécie de drum & bass de fundo trocista. como se algumas preocupações, antes de serem muito cristãs ou muito espirituais, não fossem reais e essenciais, como carne crua ou a pulsação cardíaca, e fossem, antes, cuecas de renda, o último grito da perfumaria francesa, um qualquer adereço para regalar a vista, que só por um restrito número de indivíduos fosse tido em conta. como se os causídicos do muito-seja-o-que-for trocista, quando confrontados com certas faltas de cuidado para com o seu umbigo não ficassem também eles completamente____________ .