quarta-feira, fevereiro 28, 2007



Caro Philip Gröning:


vi finalmente a sua fita. esta minha dificuldade na escolha da categoria não é sinal de nada para além da dificuldade em si. a fuga ao vaso formal, a descontinuidade e abertura da sua gramática não me aborreceram. já mandei todas as demolições da crítica para a reciclagem ou para o cantinho de jornais para limpar vidros. e por falar em gramática: com que então os monges acentuavam o antifonário! bem sei que cantavam, mas quando me lembro que na faculdade saber a métrica latina ainda era passaporte de exame: sílaba breve, sílaba longa... a sala estava cheia; eu que fazia planos de me assenhorear de pelo menos três cadeiras – pernas [centro], braços [lateral dir/esq], mochila [lateral dir/esq] – quase que levava com o rabo de um senhor que passava na cara. pois é, minha menina, o nimas devia ter aqui um caminho central para a malta passar à vontade... fiquei mesmo no centro, com a mochila ao colo. sabia desde o início que me ia comover. enquanto comprava o bilhete e fumava o cigarro de aquecimento, conseguia ouvir o canto gregoriano da sessão precedente, distante, coado pelas paredes do auditório. logo aí senti os poros a fechar. ando há uns dias a pensar no conceito que une tudo que senti ao ver as filmagens. recorte parece-me o mais cabal: os recortes de luz na escuridão dos claustros, o pavio de uma vela a recortar uma elipse de fogo na escuridão, o branco dos hábitos a recortar corpos no espaço, o próprio tecido a ser recortado pelo monge alfaiate – os passos incisivo da tesoura contra o silêncio – o corte de cabelo a recortar formas prévias na nuca, o recorte de um perfil sentado no fundo vermelho da porta exterior de madeira.




tento muitas vezes tirar fotografias no ângulo que insistiu em exibir: um zoom à linha da orelha e do olho, ou um recorte apenas da nuca e das sua covinhas a começar a desenhar o pescoço. é raro ser bem sucedida nesta categoria. talvez não lhe perdoe o timing de inclusão do Sou Aquele que É entre as cenas finais e não no final. esta tinha mesmo de vir no final, mas não o chateio mais com isso, até a passada sexta, só conhecia a tradução Sou Aquele que Sou, infinitamente mais pobre. fiquei com dúvidas se o enfoque que deu à gratidão e placidez do monge cego perante tudo lhe adveio de um espanto positivo ou negativo. tenho um amigo japonês que explica o mesmo, com base em cíclicas idas e vindas do espírito. em que pensou enquanto o ouvia e filmava? estou ainda demasiado imbuída pelo espírito descontínuo da sua montagem e as imagens estão desorganizadas. também me apetecia falar da cena dos gatos e do deslize na neve: as únicas que fizeram rir a plateia. não... minto. naquela em que o não cumprimento de um preceito é desvalorizado já que o que se faz ali dentro não serve para nada, também houve risos. a neve e o barulho da água da torneira em precipício para o balde, mas não há meio de me organizar e não quero deixar passar mais tempo sobre o que vi. fico por aqui.
obrigada.


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segunda-feira, fevereiro 26, 2007


mal possa, agradeço-lhe o filme. estou com tanto trabalho... amanhã ou depois escrevo-lhe, ok?

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

uma couve-flor
[título meu]

O percurso do nosso pensamento e as palavras que o vão exprimindo. São coisas diferentes. Um pensamento correcto segue à confiança o seu caminho. Mas as palavras que o esperam podem ser salteadoras ou vigaristas de que o pensamento se não dê conta. Não te irrites portanto se alguém quis dizer rosa e disse uma couve. Quando enfim por milagre se lê mesmo couve a única forma de nos salvarmos é conseguir que a couve esteja perfeitamente certa. Ou seja admitir que se tratava de um jardim e não de uma horta. Ou da sopa do almoço.


Vergílio Ferreira
Escrever [fragmento 126]

quinta-feira, fevereiro 22, 2007


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com esta a fluir por todas as minhas veias, logo pela manhã.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

dias destes


almofadas aladas: penas e esponja em erupção desenham letras enquanto irrompem da fronha e não deixam ver o caminho.

pratos a girar: tortilhas e massas, em perpétua rotação, o fumo que exalam desenha letras que não deixam ler o redor.

livros que fazem abdominais: enquanto se abrem e fecham, como autómatos, deixam cair letras, dissolvidas em suor e não deixam pensar até ao fim a ideia.

cd's num boomerang que não atirei: curvas elípticas de discos, o seu rasto desenha letras que não deixam ouvir as presenças.

domingo, fevereiro 11, 2007

o nome é que...
mas não importa. aqui, só as cordas fazem sentido.

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sábado, fevereiro 10, 2007

Un arrangement (...) qui acceptera la disjonction ou la divergence comme le centre infini à partir duquel, par la parole, un rapport doit s'établir: un arrangement qui ne compose pas, mais juxtapose...

Maurice Blanchot
L'entretien infini
[enquanto Jarvis Cocker me dá música]

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

a vingança da nota de rodapé

humilhada, por ter sido lançada para o rés da página, reduzida a caracteres mínimos e introduzida por um número microscópico, sem a dignidade inaugural do avanço de parágrafo sobre o alinhamento da página em branco, a nota envenenou a página inteira: a ambiguidade e a omissão explicativa serviram-lhe o propósito.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

voltou-se para Kant e perguntou-lhe:
o que é a razão pura?
e contam que o filósofo não soube reescrever o seu livro com os lábios, nesse momento em que a enunciação oral, em presença, era precisa. parece que pagou os cafés e saiu do estabelecimento.

isto, a fiar nos depoimentos de um freguês velho.

domingo, fevereiro 04, 2007


apreensão da suspensão.
não escapa! não escapa!não escapa!
[desenho de André Letria, calendário ilustrado 2006]