quinta-feira, abril 30, 2009

ortopantomografia

nota introdutória: eu sei que havia prometido não falar mais sobre dentes e sagas no dentista, mas tenho este tique de resvalar para considerações espirituais a partir de pormenores. é crónico. nada a fazer.

hoje, pela primeira vez, espreitei para o revestimento ósseo da minha cabeça (os dentes podem exigir radiografias complicadas). a imagem ainda apanha um pouco da cervical, vêem-se as vértebras imbricadas como legos. qual é o conceito que mistura espanto e comoção? tendo-o em conta, seja lá ele qual for, entender-se-á mais ou menos o que me invadiu. lembrei-me do outro, no momento em que segura uma caveira e reflecte sobre a finitude da vida, sem que eu própria tivesse ancorado na questão desse mesmo modo; aos meus olhos, no corpo, no fruto, na árvore, ciente embora da finitude de todas estas cascas, é meu porto o circuito contínuo do espírito, de tudo. um destes (falo do meu apenas por circunstância) espelhos de osso só me consegue devolver a imagem de uma ordem materializada.

sexta-feira, abril 24, 2009

cansada. o ponteiro dos segundos tem sido um metrónomo de tarefas. já lá vai o gran torino, pelo que, sem qualquer objectivo estilístico e apenas com total desorganização assumida, ficam ideias soltas.

a expectoração de mr walt coagula a culpa, tanto a mais remota como a mais recente que o percorre. o seu íntimo está plasmado no seu sangue, por muito que o tente ocultar dos demais. gosto de beber cerveja como ele nos dias de verão, mas não tenho um alpendre daqueles. aquela roseta vermelha contra o branco do lenço. culpa que só consegue ver redimida com o gesto final. e o diagnóstico? pois, mas mal que nos acomete não é o mesmo que auto-infligimento. o impulso expiatório, leve-nos onde nos levar, é ritual em que todos, de algum modo, já participámos. o fim corporiza-o, ou cadaveriza-o, como preferirem. vamos procurando aprender a dissolver a culpa.

não há nenhuma relação entre texto e música, mas a desconexão é um direito que me continua a assistir, até porque já avisei. ando com este som no ouvido e só me dá vontade de rir a associação do reclame de sensibilização da tv e o genitivo "do avô", no nome da música! sabia desde o início que era dead combo, mas não tinha este álbum, tive de recorrer a um amigo, que tratou do empréstimo e agora está sempre a soar. o gato adora a faixa.

bom fim-de-semana!

domingo, abril 19, 2009

a processar assimilação.

sexta-feira, abril 17, 2009



aviso a alguns inquisidores: não é forçoso que o teor da música acompanhe a respiração de quem a escolhe. havendo (poderá acontecer) ou não paralelismos com a biografia aqui detrás, não encalhem em porquês. bom fim-de-semana.

terça-feira, abril 14, 2009

unha
contornava a unha do polegar direito com a do indicador. nesse arco mineral, fino e encostado à pele, calcificavam-se meia dúzia de incertezas essenciais para o entusiasmo dos tempos próximos.

sábado, abril 11, 2009

onde se encontram telhados para conversar às cavalitas da cidade?
encontrar a palavra que corporiza o intento. procurá-la bem, isto é, não demorar muito a escolhê-la, para que tal não deforme o caroço do que se quer. escrevê-la no vidro da janela, com a ponta de um dedo, seja ele o indicador ou outro dos cinco. não importa se a tela de retaguarda, o céu atrás do vidro, é dia claro ou grisalho. gravá-la de encontro a um plano alto, que não se encerre dentro de casa, ainda que a tenha parcelarmente por moldura.

quarta-feira, abril 08, 2009

00:00
alguém insistia:
terá resíduos da mesma genealogia: será uma réplica do tópico da metamorfose, mas invertida. não há-de quebrar-se um feitiço concessório para que tudo volte a um estado primitivo menos favorável, antes se assistará a um benefício súbito e incalculado. também para isso há badaladas.

sábado, abril 04, 2009

brahms numa taça tibetana

em labuta com o ecrã em prol de causas laborais, acabei por acumular vivências, sem ter tempo de as segmentar por posts. brahms e tibete aparecem de mãos dadas como ecos dos últimos concertos a que pude assistir. ontem à noite, entrei pela primeira vez na igreja da trindade para ouvir um concerto. e aqui temos brahms. cafés e estacionamento de última hora impediram-me de chegar a tempo de arranjar lugar cativo, à frente, como gosto. até ao meu banco, a composição ressoava como uma onda sonora difusa, não se percebia sequer que era em alemão. mas a cabei por agradecer o meu atraso e a dispersão acústica, que trouxe um efeito de difusão, porque durante o espectáculo, sem qualquer âncora semântica, revi interiormente o conceito de uno primordial e a sua conexão com a música, sepultados nos apontamentos sobre nietzsche; num fechar de olhos para fruir bem a performance, regredi uns 11 anos até às aulas de filosofia.
ao senhor tenor: obrigada pelo convite! parabéns pelo fôlego!
saldando agora o débito de relatório do concerto de gongos e taças tibetanas. é impressionante o que recursos tão simples, que quase trazem uma herança tribal associada, conseguem accionar na nossa mente e no nosso corpo. a vibração das pequenas taças, abriu-me galerias novas na imaginação, a dos gongos, acordava medos, como que em parceria: o som cavo dos gongos chamava algo de inquietante à superfície que a vibração das taças vinha depois regenerar e apaziguar. erro crasso, típico do meu estado de vigilância e análise despudorado quando estou num contexto novo: mantive-me sempre de olhos abertos, não sosseguei a tentar perceber como comunicavam os dois tocadores, como se tocava nas taças e nos gongos (um deles, ao vibrar, animava o seu próprio reflexo, dando a ilusão de que uma espécie de X esticado rodava para um lado e para o outro) e, sem maior dose de entrega e desracionalização, creio que acabei por perder 3/4 do momento. para a próxima, olhos fechados. efeitos curiosos: uma ressonância macia no crânio durante o dia seguinte e uma boa disposição consistente, diferente de uma qualquer euforia sem chão; uma das pessoas que foi comigo, ficou com uma sensação de abdominais ginasticados e igualmente bem disposta. pela explicação na conversa final, percebi que as sete notas musicais têm uma correspondência de ressonância em pontos-chave do corpo, numa escala(da) que vai desde a base da coluna (dó) até ao cocuruto da cabeça (si). apercebo-me de que começa a surgir uma vaga de terapias baseadas em técnicas deste tipo. não é esse o intuito com que procuro uma experiência destas, mas devo testemunhar que há algo de expansor e desbloqueador de sentidos e do processamento mental ordinário que, após ter assistido ao concerto, não pude negar.
bom fim-de-semana a todos!