quarta-feira, dezembro 31, 2008

- então, não escreves nada no último dia do ano?
- os leitores já sabem o que lhes desejo, que me furto a ladainhas calendarizadas, que ainda estou com vestígios de gripe...
-não eras tu que dizias que as dificuldades respiratórias eram uma óptima ocasião para se perceber o preço do nariz que temos, que até suscitavam questões profundas como a de termos duas narinas, ao invés de um único orifício com duas vias de sentido? porque é que não partilhas isso?
- para o ano, talvez trate disso; agora, vou partir nozes e combinar o pequeno-almoço madrugador de amanhã de manhã.

terça-feira, dezembro 30, 2008

parece operação convencional de colunável ou cronista de jornal de dia 31, mas há uns anos que a faço sempre: uma lista de objectivos para o ano novo. enquanto trabalhava, abri um segundo trilho de pensamento e ouvia o eco dos passos da lista de há um ano, avaliava a persistência de alguns objectivos que se vão querendo incumpridos, e nas razões que tal justificam. para a primeira metade do ano que passou, só me ocorre a palavra levedar ou o segmento ter tempo para levedar, mais preciso, talvez; para a segunda, seria uma espécie de amálgama entre correr e metamorfosear. aguardo janeiro à janela, enquanto escrevinho com o dedo no pó do parapeito iniciais para metas em 2009.

segunda-feira, dezembro 29, 2008

uma vassoura
hoje, assemelho-me a um cavaleiro medieval armadurado, tantas são as camadas de roupa com que me obrigo a transpirar, para cooperar com o processo de eliminação de toxinas que esta constipação me traz.parece haver qualquer coisa de orquestrado neste resfriado, purga de excrescências do ano que finda, uma espécie de vassoura cósmica calendarizada.

sábado, dezembro 27, 2008

tenho a impressão de que Eu sou Aquele que é, com todo o mistério de que este tipo de enunciação, despida e assertiva, é capaz, há-de ser sempre o meu pensamento de bolso. gradualmente mais inteligível. gradualmente mais longo.

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sexta-feira, dezembro 26, 2008

chego a gostar de tanto frio só pelo contraste prazeroso do banho quente ou de uma linha de calor a atravessar o tórax com o chá.

quinta-feira, dezembro 25, 2008

acordei com as galinhas e instalei-me na sala, com uma manta e com o gato, para poder ver Andrei Rubliov (1969) antes que começasse o tráfego familiar. vou continuar a procurar mais planos com enfoque a partir de um ponto superior: existirão noutros filmes de tarkovsky?
muitas vezes, ao deambular pela cidade, tento perspectivar assim os trilhos que percorro; nada disto tem que ver com a ideia de voar, antes com a possibilidade de ver bastante mais acima do chão. ontem, devia ter pedido um telhado muito alto para o sapatinho.e sendo solicitada para ajudar na alquimia que converte grelos em esparregado, saio mesmo aqui do post. a gerência deseja um dia especial a todos os leitores.

segunda-feira, dezembro 22, 2008

é natal, é natal

grassam conversas sobre hortaliça.

sábado, dezembro 20, 2008

vizinhos


sexta-feira, dezembro 19, 2008

coluna
o sol que hoje acordou o porto trouxe-me um rebuliço central. era isto mesmo que queria escrever: central. um conforto, uma noção de libertação qualquer na zona da coluna, sem que, porém, sentisse pressão ou desconforto, anteriormente. noto diferenças a andar, sobretudo. uma verticalidade reinventada, não sei que lhe chame... na próxima pausa, vou aproveitar os últimos raios de luz, dando-lhes (não, exactamente, virando) as costas quando descer a avenida para tratar de assuntos de fumo. há que escolher cigarrilhas condignas para fumar com o meu primo à varanda do jantar de 24.

quinta-feira, dezembro 18, 2008


sob

há livros que me são indissociáveis de um qualquer itinerário de metro, por serem a leitura que reservo para as deslocações que tenha a fazer. costumam ficar mais dobrados e danificados do que os outros, por andarem sempre na carteira e apanharem humidade do guarda-chuva ensacado, migalhas de bolachas avulsas e toda a sorte de atritos que o abismo de qualquer carteira feminina pode proporcionar. crime e castigo, por exemplo, é um livro que não consigo dissociar das linhas amarela e verde do metropolitano de lisboa, dos tempos em que por lá vivi. acho que 90% do livro terá sido lido nas viagens subterrâneas, 9% no trajecto lisboa-porto-lisboa do intercidades, e 1% em casa(s). (e por falar em lisboa: S, recebe os meus parabéns e as minhas desculpas por estes 300km de distância no dia de hoje). chegava a sair mais longe do destino que tinha premeditado para acabar de ler momentos concretos ou, pelo contrário, a sair antes para me poder refazer respiratoriamente de momentos mais angustiantes, dando um compasso de ar livre a mim mesma, caminhando mais tempo a pé entre a boca do metro e o sítio onde queria ir. este beckett está a ficar conotado com o segmento entre d.joão II e o marquês ou a casa da música. o novelo de questões e perguntas que se emaranham nas páginas pede-me uma plataforma em movimento, nada de estatistismos. circulação. circulação. circulação. curiosamente, não há passagem que se aproprie da visão do douro, abaixo da ponte d. luís. esse ponto é sempre o pregnante: estimula e despoleta qualquer coisa, nunca é passivo ou sujeito à anexação por uma ideia prévia que a ele se tenha alojado.

quarta-feira, dezembro 17, 2008

sexo por amor é requinte. se entrássemos no espírito de dezembro, a elencar o mais-seja-o-que-for do ano, esta seria uma séria candidata à mais cómica.

«Houdini-i))))))))))»

Goldfrapp Cologne Cerrone Houdini

terça-feira, dezembro 16, 2008

o som da faca a deslizar entre a casca e a carne da pêra, dentro do som do café a subir (ou é o som do café o menos envolvente? ou igualam-se em intensidade?) em cima de prazos que findam, debaixo de pressões laborais, por segundos, tudo é suplantado pelo arrepio do mínimo. bom dia.
[ouço na rádio que há pirandello a €1 - confirmem, por favor, podia ser do sono - no helena sá e costa. apresentação dos finalistas. em abstinência de saídas, até acabar uma fatia de trabalho, deixo apenas o aviso]

segunda-feira, dezembro 15, 2008

o compasso da dúvida
vem ter comigo, ideia - pedia. embora já tivesse percebido que nunca a poderia captar previsivelmente, logo após a um esforço cumulativo de busca. o esforço não era inglório e o tempo de pensamento não era vão: havia que emitir a pergunta, projectar o seu sinal; era preciso saber-se que havia um sintonizador, dentro de um peito, um ponto no universo, a rodar no sentido daquela frequência. vem ter comigo, ideia. bem sabia que a resposta chegaria sem aviso, numa altura em que provavelmente já nem fosse essa a dúvida mais forte. poderia estar a lavar a cabeça e sentir que, de súbito, massajava a resposta sob os dedos com champô ou a polvilhar o jantar com ervas. a solução vinha pelo seu pé. mas vinha. disso tinha a certeza.

domingo, dezembro 14, 2008

tomar o pequeno-almoço com as galinhas e sentir a extensão do dia até à hora poente. não querem transferir o convite para dia 1?

sexta-feira, dezembro 12, 2008

os passos do fumo
desde manhã, que tento escrever qualquer coisa sobre o fumo exalado pela comida quente, ou libertado pelo vapor de um banho, exposto ao rigor do inverno, sob a nossas boca ou em torno do nosso corpo. não consigo verbalizar o quero. noutro dia volto a tentar.

quinta-feira, dezembro 11, 2008

parabéns, decano!
obrigada por todos esses anos de respiração.

quarta-feira, dezembro 10, 2008

hoje, na sessão das 18h30, a segunda parte. semeei na mente que o filme não acabaria como acaba: pelo fogo, sem mais. não sei porquê, mas imaginava uma espécie de citação final, inscrita na tela preta, a ajudar a respirar melhor depois de desaparecer o fumo e as chamas da execução. não foi assim. e não tinha de. tal como em relação aos outros, semeamos concepções que não se efectivam a não ser no nosso íntimo e levamos tempo a recompor-nos quando assistimos a certos desfechos. o percurso a pé, do teatro do campo alegre até ao metro da casa da música, foi essencial, no regresso tão entalado que tive. congeminava finais alternativos, visualizava frases hipotéticas em itálico para o final, branco sobre preto de fundo, sem me decidir por nenhuma fixação verbal concreta. agora, segue-se uma fase de pesquisa teórica, com tempo, para tentar apurar com mais calma e detalhe quem foi realmente esta donzela de orleães. em nome do bom descanso que quero ter, fecho este post, mais que esquivo, deixando de pensar no último plano do filme, mas pensando, por exemplo, na banda sonora ou em detalhes pitorescos da cena de coroação de carlos VII. furto-me a explorar o vacilar inicial de jeanne perante a inquisição,embora me tenha perdido em pensamentos dentro sala. desta vez, porém, não adormeci nem um segundo, estava bem longe disso. assim sendo, oportunamente, retomo a questão. agora, o descanso merecido. dixi.

terça-feira, dezembro 09, 2008

o reconhecimento
pouco sei acerca de joana d'arc, senão que foi executada pelo fogo e acusada de bruxaria. em parte, foi para que pudesse ter outro tipo de contacto com a personagem que fui ver o filme. cansada, já com a lotação psíquica característica das noites que fecham dias de trabalho em frente ao pc, comecei logo por me sentir embalada pela configuração sala-de-estar-familiar do cine-estúdio do campo alegre: a atmosfera quente, a lista de compras para o continente que o casal que estava na minha fila elencava, em voz alta, as mensagens de voz do telemóvel do senhor atrás de mim a ecoar, o som constante e certo da fita a rebobinar que vinha por fora da cabine de projecção, antes do filme começar. despertei um pouco com a banda sonora e entrei verdadeiramente na sessão. a questão do reconhecimento do líder ou do mensageiro do plano divino perpassa no filme; a missão da donzela tem de ser legitimada pelo poder real e religioso. e isto foi o suficiente para me enredar em reflexões de sempre sobre os homens candeia da história da humanidade e sobre o reconhecimento da excepcionalidade de um ser humano face aos outros, (jesus, buda, confúcio - tenho de ler mais coisas sobre este, pensava também - moisés, maomé...) sobre o seu processo de legitimação ou detracção ou desvirtuação. abstraí-me de Jeanne, embora seguisse com atenção a questão do exame dos doutores da fé, ía-me perdendo - lembro que distracção, etimologicamente, designa o ser-se puxado para vários sentidos - com aspectos gerais até que, quando caí em mim, sem ser puxada por mais nenhum pensamento lateral ao filme, apercebi-me de que tinha adormecido. não sei quantos minutos de filme perdi. nesta percepção desorganizada e disputada por digressões pessoais, que competiram com a fluidez ininterrupta do filme, ficou-me gravada a cena do corte de cabelo da donzela, espelhado pela armadura e varrido (hoje há sempre um cabeleireiro que vem varrer os cabelos que nos cortam do chão dos salões) pelo auto-arremesso das mechas cortadas para uma fogueira, numa pré-figuração do desfecho que há-de ser exibido na próxima parte da filme. o barulho da pena a escrever e a performance manual que o gesto implica ainda ecoam no íntimo, mais do que o grito de guerrilha, as flechadas ou os rasgos de espada durante a batalha contra os ingleses.

domingo, dezembro 07, 2008

narrativa cerúlea
hoje, ao fim da tarde, ao voltar para casa, as nuvens pendiam do céu com um recorte tão compacto e tão desenhado que era quase obrigatório atribuir-lhes um referente real. entre o início e o fim da rua, enquanto caminhava, construí uma narrativa com os intervenientes que o céu me oferecia.

sábado, dezembro 06, 2008

há uns anos que vivo na casa que pertenceu à minha tia-avó. era a casa para onde fugia das regras de infância que os pais tanto decretam, a garagem onde guardava a bicicleta, o pátio que esfrangalhava com amigos e bolas e patelas depois da escola. não há ângulo que não esteja empoeirado de memória. há dias, ao dependurar o avental na cozinha, reparei numa minúscula inscrição a esferográfica, na parte de trás da moldura da porta. a letra era minha. acabei por me recordar do hábito de escrevinhar disparates pela casa, dirigidos à minha tia: portas, paredes, armários, cadeiras, mesas, prateleiras... nada semanticamente grave, tudo graficamente contido, nada que interferisse na decoração e na estética mais pregnante da casa. meras transgressões, arrumadas, que podiam demorar dias, semanas ou meses a serem descobertas, mas que esperavam por isso. ainda me ri sozinha. acabei por verificar que com a idade o paradigma deixa de ser o da escrita para se tornar no do apagamento. muita da informação que quero publicável esquiva-se ao termo e à grafia. mas esta táctica, o entalhe atrás da porta, deu-me uma ideia.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

a fatais 300 km de distância da homenagem de ontem, no CCB, não posso deixar de relembrar a primeira parte do Concerto de Colónia. quando me chegou aos ouvidos, naquele cd pirateado pelo r. a música, a janela da sala da casa antiga, os camiões estacionados à entrada da auto-estrada e eu a rir-me com semelhante conjugação paisagem-banda-sonora.





quarta-feira, dezembro 03, 2008

menos o trivial.
tenho a impressão de que tudo menos o trivial é um eco que me sobre de um filme do manoel, mas não me recordo com precisão... por mais que muitas razões é esta parte desse eco que escrevo hoje aqui na parede da casa: menos o trivial.

segunda-feira, dezembro 01, 2008

rapinado à c

(...) só se pode ir muito dentro da tristeza se se conhecer a alegria, e muito dentro da alegria se se conhecer a tristeza. Os dois sentimentos são importantes e, de certa forma, estão ligados entre si como gémeos tresmalhados. Nunca se deve desprezar ou ter pena da tristeza. Nunca. Se não me engano, é precisamente aí que começa, ou pode começar, a alegria de viver.




[uma espécie de nota de pé de página: não confundir compreensão e função cíclica da tristeza, com a sua apologia ou com o comprazimento no seu culto deliberado.]