sábado, janeiro 31, 2009

versículo 28

planta tudo isso num vaso. pode ser junto ao da hortelã. escolhe tu. vai gerninar à porfia, entre todas as florações do pátio. será extracto para a língua. pigmento para a pele. um caleidoscópio de células novas. não te atemorizes com o rigor do frio ou a inclemência da chuva. se for preciso, arranja uma estaca, para que inclines os rebentos para sol, quando ele estiver. mantém-te firme, vertical face à intempérie, mesmo que ela te dobre a espinha. tu sabes que a forma do espírito tem a anatomia do fogo. vertical. vertical. sempre a crepitar verticalidade. a alegria e o amor nunca te enganaram. sabes muito bem que até por dentro da tristeza são a ignição do universo. deixa os contraditores falarem. ao lado, o que tiveres por justo e genuíno. ao alto, todo o ouvido. não te esqueças de que prometeste simplificar. não apresses o mergulho mais profundo. se o apressares, assume, então, as fronteiras da tua caixa toráxica, os limites dos pulmões até conseguires voltar à tona e não te queixes.
parabéns.

quinta-feira, janeiro 29, 2009


quarta-feira, janeiro 28, 2009

The Laughing Heart

your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is a light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.


Charles Bukowsky

terça-feira, janeiro 27, 2009

sob
o metro circula pelos intestinos da cidade e as carruagens estão cada vez mais densas: o ar abafado, a confusão de perfumes e, embora invisível, o nível vibratório, onde se cruzam as ondas de pensamento. ninguém fala e, no entanto, as presenças impregnam cada unidade da máquina como uma massa incorpórea indefinida. há quem se incomode com os olhares, com a multiplicidade de caras. não me angustia, isso. vou, aliás, muitas vezes a ler ou a procurar o mp3 que quero, de olhos mergulhados no leitor. mas a verdade é que não me consigo furtar à ebulição humana, mesmo que o código público do desconhecimento a silencie, inibindo os espíritos de comunicarem na qualidade de estranhos. ninguém verbaliza, mas o fluxo de ideias ocupa espaço dentro da carruagem e paira pelo tecto, mendiga, eventualmente lugar para sentar, espreita para o livro que levamos. ontem procurei imaginar-me à superfície, exactamente no mesmo ponto (ia em s.bento, quando me ocorreu o pensamento) e consegui transpor essa massa com a ideia de luz, mesmo a tão parda e enevoada que tem alumiado o porto nos últimos dias. as carruagens estão cada vez mais densas.*
* alguém há-de dizer que a questão central reside no sujeito, que o problema será antes um congestionamento interno do próprio percepcionador, não a densidade vibratória do espaço. claro que o sujeito não escapa a uma percentagem de responsabilização, mas as carraugens estão cada vez mais densas.

sábado, janeiro 24, 2009

encontra o copo, perde a sombra


não julgues que te deixo ficar, sombra. ouve-me bem: vou procurar o copo. vou procurá-lo, sem delongas. vou procurar o responsável pelo assombro. aos interessados: dão-se alvíssaras pelo seu corpo vítreo. e ninguém falou em estilhaços. só em arrumação. apenas arrumação.

in a cada cálice sua boca

manuscrito anónimo encontrado numa cabine telefónica daquelas vermelhas, de moldura quadriculada.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

com sede de um clássico, vou bebendo devagar as páginas do Hamlet que me chegou à mesinha-de-cabeceira pelo natal. António Feijó traduziu, sob a asa da Cotovia. digno de várias releituras: ontem, por exemplo, entre d.joão II e a casa da música, fiquei-me pelas duas páginas, tal era a vontade de saborear a escolha das palavras. e por falar em prazeres, e por falar em dinamarca, parece-me óbvio que este fim-de-semana impõe uma carlsberg. aliás, sabendo que a cerveja não será a bebida mais principesca, suspeito que o próprio hamlet beberia um copo... também shakespeare, eventualmente, invocando necessidades de um néctar inspirador. a levedura de cerveja. a levedura do verbo.

quinta-feira, janeiro 22, 2009

guarda-chuva

- também vou descer, quer aproveitar?

- obrigada, não...

-tudo bem, boa noite.

alguém há-de notar como se antepôs o agradecimento à recusa. como o primeiro impulso teria sido aceitar a partilha do guarda-chuva, dada a exposição total à inclemência da água, e a negação o segundo, mal fundamentado. a escolha foi feita: depois do jardim triangular, aquele casaco azul e castanho às riscas - no meio do breu, pareceram-me muito mais importantes do que o guarda-chuva - levou o perfume para a esquerda, enquanto o casaco branco seguiu em frente, descendo a rua no mesmo sentido do correr da água pelos paralelos.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

é um dos momentos mais importantes antes de fechar os olhos e de recolher à horizontal, em feto de lençóis: o lavar dos pés antes de dormir. na face interior de cada um deles, temos uma pequena concavidade; massajá-la, entre o lado e a planta, com água quente e contemplar os fios azuis de pequenas veias que nos atravessam as bases. é claro que gostava de ser especialista em reflexoterapia, mas esta percepção de final do dia fica muito mais aquém (ou além, chego a baralhar-me) de qualquer intenção hermenêupede codificada. é o roçar do polegar. é o brilho da água. quente.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

colheita blockbuster de fim-de-semana '

ne touchez pas la hache jacques rivette
não toco, não. aliás, façamos de conta que cito ramos rosa. e mais não digo. não posso adiar o...

stellet licht carlos reygadas
teses sobre o desfecho são bem-vindas. para já, tenho várias hipóteses a quererem ser chave, mas ainda me atrevo (e só vendo mais uma vez). apesar de tudo, será essa a questão central no filme, o insólito do desfecho? não me vou preocupar muito com isso, pode ser que mais logo ouça um canto de cigarra enchuvada ou, amanhã, um eco matutino e difuso de gado e tudo fique mais claro.

' até dia 30, em regime de leve 2, pague 1.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

das divisões

grande é a inocência dos corações pequeninos. estes, quando crescem, franqueiam as artérias à consciência. e são maiores. e são mais pequenos. a consciência é sempre condómina de muitas divisões. e são mais pequenas. e são maiores.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

antes de dormir, deixo aqui um faduncho. não fosse eu ter esta mania de reparar nas mãos de quem me aparece no caminho.

quarta-feira, janeiro 14, 2009

mas tens a certeza?

e claro que sobre as mandíbulas desta pergunta, mesmo quando feita por uma criança, a resposta é muitas (tantas) vezes negativa.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

a avaliar pelas escalas de proporção com o crescimento humano, o cavalheiro infiltrado no armário, com os seus 18 anos felinos, terá cerca de 83 nossos. hoje, ao fim da tarde, foi o grande animador da atmosfera sonora do veterinário: que engraçado! o gato desta menina faz barulho de lince, como o nosso fazia! um casal, outrora também detentor de um siamês vetusto, mostrava-se bastante compreensivo com a fúria do bicho e partilhava momentos national geographic domiciliários comigo, impedindo-me de ter de me rir sozinha, face ao olhar aterrado dos donos de cães joviais e gatinhos ternurentos. não sei bem se é de lince o barulho. de gato, não será, de certeza. nada de grave, questões glandulares a sanar e mimos. já aqui me referi ao sentimento de pasmo que me assalta perante a metamorfose absoluta do gato (do acto) sob a vibração de medo. a energia que lhe parece regenerar as células para bufar, rosnar e flagelar a luva quase-de-falcão do veterinário, com as unhas de fora. sob estímulos afectivos, não rejuvenesce, estica-se, lânguido, sem brincar, como fazia há anos. de manhã, porém, mesmo antes de qualquer palavra ou afago, ronrona, sem descompor a rodilha corporal em que adormeceu, ronrona instantaneamente. a luz e a percepção dos donos em trânsito é-lhe um estímulo diferente de qualquer outro. não sei porque caio na banalidade deste relato, agora que me ouço, mas arriscando uma hipótese, creio que terá que ver com a minha necessidade de achincalhar o medo, cada vez que ele se manifesta sem medo para tingir qualquer situação. à boleia do almada, termino mais um post com a etiqueta que já conhecem:

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sábado, janeiro 10, 2009

nota da gerência


o anunciado texto em torno da problemática do termómetro revelou-se empresa de mui grande e delicada envergadura para ser levada a cabo nos próximos tempos. portanto, a anunciada continuação fica datada para prazo flutuante. sem mais de momento, subscrevo-me.
votos de um bom fim-de-semana.
selo branco atravessado por assinatura
há quanto tempo não entrava num blockbuster? ainda bem que interrompi a ausência: de 12 a 3o de janeiro a gerência franqueia a casa em regime de leve 2 pague 1. portanto, na segunda-feira, espero ter uma Stellet Licht a brilhar para mim, no silêncio da prateleira. quanto ao brinde grátis, vou ponderar durante as voltas que por lá der. entretanto, aceito sugestões.

sexta-feira, janeiro 09, 2009

centígrado
oportunamente, e responsabilizando os pequenos flocos de neve que há pouco consegui ver da janela por darem estímulo a tais matérias, hei-de escrevinhar algo sobre a questão do termómetro. fica aqui um esboço para o início.
- o que é que a criatura tem entre o indicador e o médio?
- não sei bem... cigarro não é, não fumega.
- será uma caneta? tenta aproximar-te.
- ainda nos vê e nota que está a ser observado... deixa o homem em paz.
- tenho de saber, espreito eu, espera...
e consta que o que o indivíduo tinha na mão era nada mais nada menos do que um termómetro. estava sentado num muro, com as pernas a balouçar, voltadas para uma frente que não importa definir, mas que estava iluminada pelo sol. costas à sombra, cara à luz.
(continua)*
*e como tinha prometido não voltar a fazer mais posts sobre extracção de dentes, oculto este meu divórcio do siso superior esquerdo, a ser lavrado na cadeira do tribunal dentário logo à tarde.isto de o organismo não conseguir incoporar devidamente supostas materializações de juízo dá muito que pensar... «auch»!

segunda-feira, janeiro 05, 2009

o bom de ter prazos urgentes, que armadilham as horas como minas, é a força projectora que vai concebendo planos para o pós-cessar-fogo.
a vontade de ver a cidade de cima, novamente. a culpa é mais ou menos desta pintura de marc chagall, por que passaram hoje os meus olhos. mais ou menos, sim, porque o meu plano não era sobrevoar, mas concretizar uma qualquer locomoção híbrida, entre o voar e o andar, e para esta operação, talvez fosse complicado estar acompanhada, não teria a concentração desejável.
vou pensar nisto com força antes de adormecer, pode ser que um sonho me faça a vontade.

domingo, janeiro 04, 2009

a sua pele selvagem

descobertas na última porta do armário da cave. um minuto de humor ao imaginar a minha tia-avó, meticulosa, a fixar este poster na contraporta, num qualquer dia dos idos anos... 60?

sábado, janeiro 03, 2009

dinastia aorta

não entronizei. não entronizo. não entronizarei.
entronizou-se. pontualmente, ainda se entroniza. há-de deixar de entronizar-se.

sexta-feira, janeiro 02, 2009

Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito da verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. É apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor.
Sophia de M. Breyner Andresen Posfácio, in Obra Poética II, Ed Caminho, 1998

quinta-feira, janeiro 01, 2009

à janela de janeiro
silvos do vento por entre a frincha do vidro do carro, milimetricamente aberto para não embaciar. chuva sacudida pelo parabrisas. o verde acinzentado das ondas da marginal, uma das poucas manifestações de vida matutina. a luz franca pelas portadas da casa antiga. batido de banana e manga. requeijão. doce de abóbora. hipotenusas de tosta mista e seus catetos. tarte de pêra. chá com extractos de sakura. café. há lá alma que queira saber de fogo de artifício ou de uvas passas, perante isto?para o ano, apareço-vos de pijama e pantufas. muito obrigada!