quinta-feira, novembro 23, 2006

geografias da relatividade

um diz:
lá em cima está o tiroliroliro,
cá em baixo está o tiroliroló!

outro pergunta:
como?
onde está o tiroliroliro?

o primeiro:
lá em cima.

o outro:
não foi isso que disseste,
mas sim:
lá em cima está o tiroliroliro,
cá em baixo está o tiroliroló!

e por coisas destas deixaram de se juntar os dois à esquina, a tocar a concertina
e dançaram a solidão.

terça-feira, novembro 21, 2006

Henry Fonda em As Vinhas da Ira, adaptação da obra de John Steinbeck por John Ford.

profetizo não ter oportunidade de ver este programa, mas deixo a dica, com alguns fragmentos das últimas horas de cinema.

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domingo, novembro 19, 2006


quando a criada espreita pela fechadura já o filme vai a mais de metade.
o morto que afinal não tinha morrido já havia confessado o seu passeio por identidade alheia – a do seu irmão gémeo – que, com a sua presença revelada, sempre tangível, sempre possível, inevitavelmente real, consegue ressuscitar a memória ida, passada, intangível, perdida, impossível-naquele-presente do falecido segundo marido daquela que nunca deixara de ser sua mulher.
mais um manoel de oliveira.
manUel, este, já que por duas vezes assim aparece na ficha técnica introdutória. em 71 ainda não se tinha convertido à diferença de manOel.
vicente sanches: nome do pai da peça com o mesmo nome do filme: O Passado e o Presente. não soa com muita força, mas baptiza duas horas sui generis. alvo número um: o casamento? também. talvez mais como ponto de partida para reflectir sobre algo mais amplo: a fixação pelo inalcançável, pela opção que se perdeu e já não se tem, a idealização do amor levada ao extremo da anulação de uma qualquer possibilidade táctil. não sei. arrancou-me risos nas cenas do jardineiro, elemento fulcral para não fazer da – em todos os sentidos - saída de cena do segundo marido uma banalidade. não vale a pena mencionar a erupção altissonante da marcha nupcial fora de horas em mais do que uma cena, só ouvendo. quando ela contemplava fotografias do suposto falecido marido, humilhando absolutamente o marido com quem se casara pela segunda vez, o ridículo era tão cortante que nem consegui ficar com as papilas amargas, nem me conseguia rir. isto, o tom tragicómico, é difícil de modelar e infundir no público. o filme, a meu ver, vale, em muito, por isso.
quando a criada espreita pela fechadura, já o filme vai a mais de meio.
dentro do quarto, ela desembrulha uma encomenda que alguém vem entregar a sua casa: o novo retrato da sala de entrada.
e é claro que já se sabia quem lá se estava encaixilhado...
qualquer dúvida, vejam o filme.

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domingo, novembro 12, 2006

Nina Simone - 1961

- e sabes por onde se vai ?
- não: improviso.

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sábado, novembro 11, 2006


água na boca


a maioria de mim decretou que urgia proceder a cortes orçamentais para fins tabágicos. decretou-se a proibição de compra de um maço, para fintar o mimo do organismo, salvaguardando-se unicamente uma portaria extraordinária: em caso de birra orgânica crónica, é permitido cravar.

nos momentos em que se me impôs o abrigo da portaria, dei comigo a agradecer a concessão com particular ênfase. o sentimento de privação arrancava-me o obrigada do fundo. sem que fosse digna de qualquer tipo de simpatia, a verdade é que o efeito de eco se deu em 95% das cenas. ao meu agradecimento, seguia-se a retribuição dos benfeitores!
obrigado?porquê?por lhe estar a cravar?
não faz sentido. ou faz.
o obrigada das profundezas deve baralhar as almas...

estes episódios lembraram-me deste livro. um especialista japonês em medicina alternativa dedicou-se a fotografar cristais de água, submetendo-os a condicionantes diversificadas, entre elas a música, a pintura, e o domínio verbal grafado. o comportamento dos cristais reagiu exprimiu diferenças curiosas em termos de geometria de base e cor. por ser maioritariamente constituída por água, como qualquer um de vós, deixo dois recortes.
a primeira imagem corresponde à reacção de um cristal de água a um obrigado, grafado em japonês no papel que serve de rótulo ao frasquinho visível (?)no canto inferior direito.



a segunda exibe um cristal de água exposto ao equivalente a dás cabo de mim e de vou-te matar através do mesmo processo de contacto do recipiente de água com a mensagem registada num papel que o envolve.

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domingo, novembro 05, 2006

dois €’s

foi o que paguei pelo primeiro cone invertido do ano.
castanhas assadas na rua. apenas 12 pelos idos 400$00… mas é inumano domar as narinas contra a nuvem hipnótica que impregna o metro do campo grande. há anos que a compra – seja em que paragem for - se repete nos meus fins de tarde outoniços. esta semana pensei a sério no facto de ser uma folha de lista telefónica a servir de suporte à dúzia tão ansiada: apertar o número da senhora e do senhor tal na mão, terem as castanhas, que se ingerem, contacto com uma página dedicada a cabeleireiros, tudo finalizado numa bola de papel amarrotada no cesto mais próximo. já dentro do metro, o cone ia a meio. o cheiro deu direito a alguns olhares de esguelha. ia um cão bebé ao colo do rapaz que estava ao meu lado, tentou dar uma dentada no cone, o que lhe valeu uma porta-chavadas do dono e um sorriso meu.

foi o que paguei pelo
Bergman.
Tystnaden (O Silêncio)
Estreia Mundial: Estocolmo, 1963 >> Estreia em Portugal: 1975

explica J. Bénard da Costa na síntese escrita: Se o filme não foi pura e simplesmente proibido (como aconteceu em Portugal) foi mutilado por quase todas as censuras (…) Muito mudou o mundo nestes quarenta anos… Quem virá hoje ver o filme para ver cenas chocantes ou fique
chocado com elas?
e realmente, do despudor corporal não me adveio nenhum choque; por um lado, porque não o considero a tónica do filme, por outro, pelo facto de a expressão corporal das cenas que se quiseram mais impróprias me parecer tímida face às cenas que hoje podem merecer carimbos da polémica indecência.
perturbou-me a suspensão constante da resolução da angústia.
em que momentos do filme respirei mais à vontade? no feixe de luz que irrompe na paisagem vista da carruagem da cena introdutória? nos pés descalços de Anna pelo quarto?
único em cena era o olhar e o caminhar de Johan. foi à boleia da desorientação do próprio menino que atravessei o filme. Deus só por ausência existe e são vãs as tentativas de Ester comunicar com os outros (o miúdo, a irmã, o criado, corpos e vozes que sempre se lhe recusam ou não a compreendem) como são vãs as tentativas de Anna. No quarto, esta diz ao desconhecido que escolheu para companheiro de noite: É tão bom que não percebas a minha língua. [J. Bénard da Costa]
fecha o filme uma trilogia da qual não pude acompanhar senão esta última estação, o que não condiciona pouco a minha percepção.

independentemente da questão sequencial, analisando isoladamente o filme, ou nem sequer pensando nele senão como tópico, como pretexto para uma história mais antiga, entre mim e os meus botões, vem-me um sabor que se tornou constante em relação a grande parte da manifestação criativa: a incompletude. oxigenamos muito negrume, mas não deixamos de ser senhores de um contra-negrume conversor. é assim que continuamos a respirar.
artes de abismo sabemo-las de cor: bem escavadas, só por alguns. artes solares sabemo-las de cor: bem irradiadas, só por alguns. Arte dúplice sabem-na os maiores.

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