segunda-feira, outubro 29, 2007
Penso que só há um caminho para a ciência ou para a filosofia: encontrar um 'problema', ver a sua beleza e apaixonarmo-nos por ele; casar e viver feliz com ele até que a morte nos separe - a não ser que encontremos um outro 'problema' ainda mais fascinante, ou, evidentemente, a não ser que obtenhamos uma solução. Mas, mesmo que obtenhamos uma solução, poderemos então descobrir, para nosso deleite, a existência de toda uma família de 'problemas-filhos', encantadores, ainda que talvez difíceis, e para cujo bem-estar poderemos trabalhar, com um sentido, até ao fim dos nossos dias.
Karl Popper
domingo, outubro 28, 2007
tenhamos ou não percepção disso, há sempre Rosebud nos lábios alheios, quer seja dito, quer se esconda atrás da boca.
Etiquetas: lanterna mágica
sexta-feira, outubro 26, 2007
o cinzel e o corpo
o cinzel e o corpo o cinzel e o corpo o cinzel e o corpo. ontem deitei-me com este título e ainda não consegui arranjar-lhe um lugar. não o consigo expandir, e o título só costuma vir no fim. ouço-lhe os tacões do título, compassados, no meu soalho interior: o cinzel e o corpo o cinzel e o corpo o cinzel e o corpo.
feijão preto
nadar
carlsberg
três pontos de consumação do fim das limpezas em casa da minha vesícula a serem afirmados, quando sentir que já é possível. a par da manutenção puramente física, parece ter sido varrido um fastio mental na absorção de algumas leituras, fenómeno que me andava a perturbar. querer comer e não poder, querer ler e não poder. regeneram-se agrados, aperta-se a unidade.
quarta-feira, outubro 24, 2007
terça-feira, outubro 23, 2007
a médica coçava a cana do nariz enquanto vasculhava a presença de algum intruso nos órgãos. o veredicto da ecografia foi adiantado entre bocejos: a muenina... a mue... uaaaa desculpe a menina não tem nada uaaa não vejo aqui nada é bom sinal mas venha levantar o resultado na sexta o utensílio do exame tinha um efeito de roll on fresco sobre o abdómen. no meio do processo, ainda tive de conter o riso, dada a intersecção de sensações de higiene matinal e perscrutação abdominal. o enjoo vai sendo derrotado pelas gotas mágicas e a casa, o corpo, gradualmente, areja.
segunda-feira, outubro 22, 2007
a conta-gotas
quis o meu corpo reformular os projectos e obrigações que tinha nos últimos dias, escolhendo-os para limpezas da vesícula, tendo já eu planeado uma breve fuga da cidade. necessitada de tomar uma poção mágica em gotas, de hora a hora, tenho oportunidade de avaliar a capacidade do espírito em atravessar o tempo sem a cumplicidade total do corpo, que pede uma horizontalidade mais ou menos constante. sempre que o telemóvel volta a lembrar que passou uma hora e que devo tomar mais gotas, é mais clara a noção do que consegui fazer e acumular em existência nesse segmento de tempo; mesmo que tenha adormecido, a sensação do após acordar é diferente. há um lado profundo no período de mazela que apela ao centro e nos confronta de um modo inigualável, ausente em qualquer tentativa de auto-percepção buscada em tempo de total saúde física. e agora, com licença, está na hora das gotinhas.
terça-feira, outubro 16, 2007
alguém dizia
a partir de certa altura de um qualquer ciclo de sofrimento, o problema do problema não é o problema, mas a tendência para sacralizar a sua irreversibilidade.
a partir de certa altura de um qualquer ciclo de sofrimento, o problema do problema não é o problema, mas a tendência para sacralizar a sua irreversibilidade.
segunda-feira, outubro 15, 2007
Porque a mente é como um espelho; cobre-se de pó ao mesmo tempo que reflecte (*). Precisa que as brisas leves da sabedoria da Alma limpem o pó das nossas ilusões. Procura, ó principiante, fundir a tua mente e a tua Alma.
(*) Da doutrina de Shin-Sien, que ensina que a mente humana é como espelho que atrai e reflecte todos os átomos de pó, e, como esse espelho, tem de ser cuidada e limpa todos os dias. Shin-Sei foi o sexto patriarca da China Setentrional, que ensinou a doutrina esotérica do Bodhidharma.
Helena Blavatsky
A voz do silêncio - trad. e notas de Fernando Pessoa, Assírio & Alvim, 1998
sábado, outubro 13, 2007
Matisse Issy-les-Molineaux, 1911
esteve uns momentos a desarrumar o cantinho das artes na prateleira, à procura de um lugar onde os seus olhos se sentissem bem. parou neste matisse, a partir do qual o livro se referia à técnica do quadro dentro do quadro. reviu-se por segundos na tendência da pintura: sabia que agregava diversidade interna e gostava dessa junção de sintonias, mas o resultado de as comunicar é que era completamente desarrumado. como o quadro. encontrar seres com o gozo genuíno da observação da pluralidade, com uma espécie de amor transversal por manifestações humanas diferenciadas sempre foi um factor inconsciente no seu processo de busca dos outros.
quinta-feira, outubro 11, 2007
Escrever um texto
e deixá-lo abandonado na página
Não voltar a lê-lo,
não o mostrar a ninguém,
não o mandar a nenhum lado.
Que fique no seu repouso de texto.
E deixar que aí encontre o seu leitor,
como todos os textos o encontram.
Também o que levamos escrito dentro
e nos parece impossível que alguém possa ler.
e deixá-lo abandonado na página
Não voltar a lê-lo,
não o mostrar a ninguém,
não o mandar a nenhum lado.
Que fique no seu repouso de texto.
E deixar que aí encontre o seu leitor,
como todos os textos o encontram.
Também o que levamos escrito dentro
e nos parece impossível que alguém possa ler.
Roberto Juarroz
in Poesia Vertical, Campo das Letras, trad. de Arnaldo Saraiva
obrigada, P :)
quarta-feira, outubro 10, 2007
a tensão de ecoar um monólogo em palco, apesar de lá estarem não um, mas dois corpos. quem ouve não fala senão com a expressão facial e a disposição do corpo numa cadeira. a encenação da tela assumiu uma simplicidade depurada: cadeiras, cor vertical, geometricamente disposta e música pontual. o texto puxava para o seu fio, dispensando mais pormenores cénicos, a raptar o riso da garganta da plateia. à senhora tradutora, o obrigada pelo convite a este consumo.
segunda-feira, outubro 08, 2007
domingo, outubro 07, 2007
rascunho dominical
quanto mais tempo vivo, mais me convenço de que a simplicidade implica um nível de sabedoria inimaginável. o poder simplificador é um traço comum a todos os seres humanos que mais admiro, sobretudo, em momentos de adversidade. os ciclos de contrariedade definem-nos (pelo menos com a experiência que temos até então; num ciclo de contrariedade futuro já podemos ser diferentes) com muita precisão, ao focarem os motivos que nos impedem de sermos felizes e ao exigirem medidas da nossa parte para os vencermos. o que valemos, realmente, quando os nossos tudo desabam? sinto, muitas vezes, que a simplicidade, não sendo fashion é lida como algo plano, por vezes, como sinal de pertença a um estádio mais básico. não é mau diferenciar o básico e o simples: tanto em nós como nos que nos rodeiam. procurar ser simples não é nada básico. a busca de ideais, quaisquer que sejam as metas que depuramos para nós, é bela, necessária, mas a teimosia em não tolerar formas humana e inevitavelmente inacabadas, para além de se tornar feia, é muito básica. de nós para nós próprios, ou em relação aos outros.
segunda-feira, outubro 01, 2007
o binónimo ruge
há existências - humanos ou objectos de humanos - de que realmente não gosto. n-ã-o gosto. incrivelmente, entre estes, há um número a que não consigo deixar de reconhecer um sinal especial. não gosto, mas não lhes nego o quid da singularidade, seja por que motivo for. a sua percepção torna-me incapaz de dizer que são maus, embora me possam chegar a queimar o estômago. cá para mim e para os meus botões, agrada-nos (cada vez mais) esta separação do visceral e do judicativo, mas isto, muitas vezes, por desengavetar a criatura em sociedade, lança-a aos leões da incompreensão. só se pode ser adepto. só se pode ser contra-adepto. que chatice...