segunda-feira, outubro 01, 2007

o binónimo ruge

há existências - humanos ou objectos de humanos - de que realmente não gosto. n-ã-o gosto. incrivelmente, entre estes, há um número a que não consigo deixar de reconhecer um sinal especial. não gosto, mas não lhes nego o quid da singularidade, seja por que motivo for. a sua percepção torna-me incapaz de dizer que são maus, embora me possam chegar a queimar o estômago. cá para mim e para os meus botões, agrada-nos (cada vez mais) esta separação do visceral e do judicativo, mas isto, muitas vezes, por desengavetar a criatura em sociedade, lança-a aos leões da incompreensão. só se pode ser adepto. só se pode ser contra-adepto. que chatice...

5 Comments:

Blogger E. A. said...

Bom dia,

por acaso acho mesmo que a separação do visceral e o judicativo só na investigação deve ser tido em conta. De resto, no quotidiano, o visceral deve governar, porque o estômago deve ser o menos incomodado possível.

Assim ensina Epicuro. E é assim que eu penso tb.

02 outubro, 2007 13:04  
Blogger icendul said...

bom dia, obrigada pela ponto de vista:)

um ligeiro esticar do meu texo:

não massacro o meu estômago no quotidiano e tb selecciono os menus em que vou investir. mas o dia a dia é feito de conversas e reflexão. nesse movimento, pelo menos teórico, e na apreciação das existências, gosto de tentar depurar certos juízos. em certos diálogos, o propósito pode não ser investigar e apresentar resultados, mas o modo de percepcionar o objecto em discussão pode tornar-se mais exigente e peneirar o visceral do judicativo.

um exemplo, com objectos artísticos: estive há uns anos em serralves, a ver a exposição da Paula Rego; posso dizer que sai de lá, literalmente, nauseada e com uma espécie de sensação de tontura. não gosto realmente nada da sua obra, não torno a investir numa exposição sua, (i.e.não massacro o estômago:P)no entanto, reconheco-lhe uma força criativa tremenda, não sou capaz de dizer que é "má" pintora, ou que não há ali génio, embora realmente NÃO goste.

(é claro que tb tenho os meus instintos de claque, de confraria, de fatia e é na sua busca que invisto, mas reconheço que gosto do exercício de repensar a totalidade da anti-claque, anti-confraria, anti-fatia, pelo menos teoricamente)

02 outubro, 2007 13:46  
Blogger E. A. said...

Deu-me um exemplo estético, referia-me mais à ética. Os quadros da Rego (que eu adoro - imagine!) podem-lhe causar naúseas instantâneas, mas nada mais além disso. É um objecto, por mais carregado de sentido que esteja, é fácil desfazer-se dele.
Referia-me, pois, ao confronto entre iguais, e ao reconhecimento do alcance de dano que daí pode decorrer. Quando diz, parafraseando, sou incapaz de classificar de mau, embora me possam queimar o estômago, é como se a grandiosidade ou a singularidade, como diz, ofuscasse o perigo.
É claro que nós lemos tudo de uma maneira preconceiuosa, e é, de resto, a única forma de leitura que temos. E entendi o seu texto deste ponto de vista que enunciei porque provavelmente é o que me segura neste momento.
Neste momento, começo a afastar-me do brilho incandescente, por mais atraente que seja, porque as pessoas grandes e singulares, geralmente, são buracos negros.

02 outubro, 2007 15:39  
Blogger icendul said...

(antes de mais, estive a espreitar a idade da aveugle.papillon e ocorreu-me deixar a dica: podemo-nos "tuar" e utilizar a 2ª pessoa do singular? por vezes, não a utilizo, qdo sei que falo com pessoas mais velhas ou qdo quero galhofar com interlocutores que já conheço:P se não parecer bem, não me importo de não "tuar", é apenas uma sugestão)

nada de questionar as minhas náuseas:P da maioria da obra da nossa paula (a fatia que eu conheço) não gosto mesmo,nem que seja por evocação, e de uma obra de arte com um certo vórtice de impacto, seja por adesão ou repulsa, não me liberto assim tão facilmente. contudo, ressalvo mais uma vez o tal reconhecimento de singularidade que expus em relação à pintora, apesar de tudo o que escrevo.
sei que isto parece contraditório, mas foi exactamente por isso que me saiu o post: necessidade de tocar neste ponto para tentar partilhar o meu processo de conciliação de forças divergentes.

vamos, então, à ética.
mas, primeiro, por onde é o caminho...?

estou a brincar: o termo dá sempre dores de dentes, mas por motivos operacionais tem de ser utilizado e creio ter entendido a diferença que a casa de Hípias expõe.

agora realmente a sério:

se tivermos em conta a conciliação entre seres humanos em interacção directa, não mediada pelo artefacto, as coisas complexificam-se, sem dúvida. podemos chegar à incompatibilização, inclusive, e nada para além do sentido da parcela divina (para quem acredita no Demiurgo, como é o meu caso)depositada em cada ser humano ou da noção de civismo pode aplacar certos juízos conducentes à pura demarcação ou a pior do que isso, até ao limite(?) do irrazoável. talvez seja mais rigorosa se estabelecer uma diferença entre coisas que me irritam, desagradam e de que discordo, mas que não tragam necessariamente opressão ao ser humano e situações de subvalorização humana crónica,(e mesmo assim não me livro da subjectividade das apreciações e das escalas de catalogação de cada um)tendo de concordar com a observação feita.

subscrevo igualmente que existe essa correlação entre muitas forças singulares sedutoras e um negrume, se não perigoso, pelo menos, sugador de vitalismo. não generalizo, mas entendo muito bem o que é apontado. o problema é que a questão não é linearmente gerida: por vezes, qdo nos apercebemos de que beneficiamos mais com um certo afastamento, já o projector desenrolou muita fita e sair do ecrã para o átrio do cinema não é fácil... somos demasiado vulneráveis; estamos demasiadamente expostos,julgo eu. mas assim se aprende a escada para o cume;)
obrigada pelo tricot,este assunto do gostar-classificar é-me sempre penoso!

02 outubro, 2007 18:09  
Blogger E. A. said...

(claro que nos podemos tratar por tu, não me faz diferença)

quero fazer apenas uma breve nota: a questão não é de facto linear (no último parágrafo),
aliás o afastamento de forças vitais faz-nos parecer sempre mais um recuo do que um avanço. E sendo o movimento um recuo ou um avanço, já se vai contaminado.
A estratégia da vida não é lógica, nem simples. E tudo o que queríamos era um sentido...

02 outubro, 2007 19:11  

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