há uns anos que vivo na casa que pertenceu à minha tia-avó. era a casa para onde fugia das regras de infância que os pais tanto decretam, a garagem onde guardava a bicicleta, o pátio que esfrangalhava com amigos e bolas e patelas depois da escola. não há ângulo que não esteja empoeirado de memória. há dias, ao dependurar o avental na cozinha, reparei numa minúscula inscrição a esferográfica, na parte de trás da moldura da porta. a letra era minha. acabei por me recordar do hábito de escrevinhar disparates pela casa, dirigidos à minha tia: portas, paredes, armários, cadeiras, mesas, prateleiras... nada semanticamente grave, tudo graficamente contido, nada que interferisse na decoração e na estética mais pregnante da casa. meras transgressões, arrumadas, que podiam demorar dias, semanas ou meses a serem descobertas, mas que esperavam por isso. ainda me ri sozinha. acabei por verificar que com a idade o paradigma deixa de ser o da escrita para se tornar no do apagamento. muita da informação que quero publicável esquiva-se ao termo e à grafia. mas esta táctica, o entalhe atrás da porta, deu-me uma ideia.
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