é a imagem que foi distribuída hoje pelo compasso da minha paróquia. - mas qual é o teu problema, afinal, não acreditas em Deus, não acreditaste sempre, desde que existes?
- claro, mas é de Jesus Cristo que estamos a falar.
- sempre me pareceu que também acreditavas em Cristo. já não?
- sempre e ainda.
a questão é que acredito tanto em Cristo, como em Buda ou em Confúcio ou em Maomé; poupa-me à cantiga dos taliban e à jihad, por favor, refiro-me à missão original e arquetípica de ser mensageiro, humano, mas divinamente inspirado.
- e, então, por que é que não recebeste o compasso hoje e te arrastaste de pijama até o sino tocar perto da janela?
-não sei se o crucificaram, realmente, para que faça sentido celebrar uma ressurreição. sintonizo com os ensinamentos, estudo-os e releio-os como um druida com iliteracia. é por isso que gosto da Bíblia, é uma fonte inesgotável de sentidos, com uma beleza poética matricial, mesmo em partes que ache claramente datadas ou doentes de severidade. sobre a biografia, pouco afianço. quase nada. é aqui que quero chegar.
- não me digas que andas às voltas com as templarices e com a crucificação de joão baptista...
- claro... ou de um antepassado do jean cocteau... sempre era mais freakalhote e combinava com as historinhas sobre os membros do Priorado de Sião, não?
- não fujas à conversa. se não o crucificaram, então que lhe aconteceu?
- vou repetir: não sei. já li versões alternativas, por exemplo, sobre a passagem de Cristo pelo Tibete, pela Índia, pelo Japão... pode ter escapado, sendo outro homem crucificado.
- essas viagens terão-se dado antes ou depois da suposta - com as tuas desconfinaças é sempre suposta -crucificação?
- também tenho essa dúvida, já li as duas coisas. não faço do biografismo âncora de nada. já te disse: gosto dos ensinamentos, ponto final.
- não fará parte dos atributos crísticos a ressurreição, não será esse o grande momento em que a sua humanidade é divinizada?
- não. para mim, não. a mensagem e as obras são o suficiente. e para considerar a ressurreição o quid, é porque se minora o milgare que se pode dar na mudança de plano de qualquer criatura cujo corpo físico faleça: o espírito permanece e viaja para um algures que só perceberemos quando lá chegamos. outra vida, outro ciclo. permanecer na terra não é, para mim, O milagre. se Lázaro tiver realmente permanecido após uma primeira morte, tal apenas prova a sua humanidade, a sua ânora à terra, não a sua divindade. continuar a existir, vencendo-se pela metamorfose, isso sim, é para mim miraculoso. continuar. como é a reciclagem da capacidade de voltar a amar quando achávamos que o coração estava refém no rés-do-chão de um poço.
- muito bem. que provas tens tu de que as coisas sejam realmente assim?
- provas semelhantes à equação do segundo grau com que explicas o amor que tens, por quem tens e porque tens: não as tens. a passionalidade da minha fé não é documentável. não tem de ser.para ninguém. ninguém. a matéria de facto está no espírito. é como tentares conjugar todas as pessoas de um verbo de uma só vez, sabes muito bem a flexão, mas não consegues dizer o todo com um só fôlego labial.
- bom... depois disto tudo, sugeria uma ida ao café do cais, ver o douro e beber uma carlsberg.