domingo, dezembro 30, 2007
quinta-feira, dezembro 27, 2007
post-it
podem ser precisas várias noites, mas resulta. adormecer com uma dúvida perguntada a um qualquer canto do nosso íntimo, mais directamente conectado com o divino. acorda-se com uma espécie de pensamento ditado: faz isto pensa assim vai ali não adies sem medo cautela com aquilo... a resposta chega. a frequente simplicidade com que vem a solução desarma o cuidado em que se anda. para os próximos tempos, tenho uma dessas recomendações bem presente, nada de novo, talvez apenas mais premente: coa bem os fulgores, com os dedos a proteger e a enlucidecer os olhos; olha bem para as luzes mais pálidas, aparentemente mais pálidas. não fosse o frigorífico de família, colava já isto num post-it fosforescente.
domingo, dezembro 23, 2007
sábado, dezembro 22, 2007
no início
embora entre risos, a afirmação teve a geometria e a precisão da sintaxe ou de uma declinação. disse a senhora no seu português germanicado único:
- no início temos de ser humildes, até porque há erros com um certo charrrme...
embora entre risos, a afirmação teve a geometria e a precisão da sintaxe ou de uma declinação. disse a senhora no seu português germanicado único:
- no início temos de ser humildes, até porque há erros com um certo charrrme...
Etiquetas: o medo "usa ceroulas de malha"
terça-feira, dezembro 18, 2007
peixe:avião finjo a fazer de conta, feito peixe : avião
façam o obséquio de vir aqui ouvir estes senhores
Etiquetas: gira-discos
segunda-feira, dezembro 17, 2007
até onde?
- mas ninguém se sente aconchegado pela indefinição.
- não há indefinição nenhuma. precisão, até. muita. interna, contudo, mas rigorosa.
- conseguir esquecer o sítio em que se vive, em que se está, como se se estivesse em todo o lado? ninguém pode ser feliz assim.
- pode.
- isso é fugir para coordenadas que não estão à mercê dos passos.
- somos lugares, túneis e pontes ruas e faixas de dupla rodagem com sentidos pintados a branco. somos escadaria por dentro, por todo, forrados a degrau em espiral. não vemos a clarabóia de topo, mas tacteamos sempre a escada seguinte. mesmo às escuras, subimos.
- e rotundas? a rotunda do umbigo, por exemplo, tão redondinha, tão pequenina, é preciso baixar bem a cabeça para a contornar com precisão. não dá para ver mais nada, não dá para olhar para mais nada. rotunda, rotunda, circule com precaução o olhar...
- não. não falamos de solipsismos, caro. levamos todas a galerias escavadas por baixo da pele para junto dos que amamos. as nossas pernas levam-nos até eles, o miolo do espírito até onde?
- muito bem: mostra-me, então o rigor, a precisão: onde estão?
- algures entre a vontade e as suas pernas.
- mas ninguém se sente aconchegado pela indefinição.
- não há indefinição nenhuma. precisão, até. muita. interna, contudo, mas rigorosa.
- conseguir esquecer o sítio em que se vive, em que se está, como se se estivesse em todo o lado? ninguém pode ser feliz assim.
- pode.
- isso é fugir para coordenadas que não estão à mercê dos passos.
- somos lugares, túneis e pontes ruas e faixas de dupla rodagem com sentidos pintados a branco. somos escadaria por dentro, por todo, forrados a degrau em espiral. não vemos a clarabóia de topo, mas tacteamos sempre a escada seguinte. mesmo às escuras, subimos.
- e rotundas? a rotunda do umbigo, por exemplo, tão redondinha, tão pequenina, é preciso baixar bem a cabeça para a contornar com precisão. não dá para ver mais nada, não dá para olhar para mais nada. rotunda, rotunda, circule com precaução o olhar...
- não. não falamos de solipsismos, caro. levamos todas a galerias escavadas por baixo da pele para junto dos que amamos. as nossas pernas levam-nos até eles, o miolo do espírito até onde?
- muito bem: mostra-me, então o rigor, a precisão: onde estão?
- algures entre a vontade e as suas pernas.
sábado, dezembro 15, 2007
terça-feira, dezembro 11, 2007
aí vem ele
meia dúzia de corpos enregelados de frio na paragem. duas senhoras a roçar o velhotas, mas ainda não absolutamente merecedoras do último adjectivo, conversam sobre qualquer coisa de que os parenthetical girls me distraem quando ligo o meu leitor de mp3 e entra o álbum deles. uns segundos depois, sou brindada com o low battery que me é anunciado e que quebra em alicate o som da espera. fico à mercê da banda sonora urbana. ouço imediatemente a excitação das senhoras: aí vem ele! o júbilo com a aproximação do metro teve uma enunciação digna da chegada do amado. é ele, é! ou não. não sei. essa alegria, sendo tão íntima, não é anunciada em voz alta. nem em voz baixa. mas o olhar das senhoras, o entusiasmo com que se aproximaram da beira do cais fez da chegada dele um facto afectivo qualquer. não sei onde as levaria ele, mas com esta me passou logo o amuo por não poder ouvir música.
sábado, dezembro 08, 2007
quinta-feira, dezembro 06, 2007
descolorar a beca
A defesa do poeta [1]
Senhores juízes sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto.
Sou um vestido do impossível um lápis
de armazenamento espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim.
Sou um código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes.
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei.
Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição.
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis.
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
uma estrofes mais além.
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa indiferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que cante minha defesa.
Sou um instantâneo das coisas
apanhadas em delito de paixão
a raiz quadrada da flor
que espalmais em apertos de mão.
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever.
Ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.
A defesa do poeta [1]
Senhores juízes sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto.
Sou um vestido do impossível um lápis
de armazenamento espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim.
Sou um código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes.
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei.
Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição.
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis.
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
uma estrofes mais além.
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa indiferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que cante minha defesa.
Sou um instantâneo das coisas
apanhadas em delito de paixão
a raiz quadrada da flor
que espalmais em apertos de mão.
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever.
Ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.
[1] compus este poema para me defender no Tribunal Plenário de tenebrosa memória, o que não fiz a pedido do meu advogado que sensatamente me advertiu de que essa minha insólita leitura no decorrer do julgamento comprometeria a defesa, agravando a sentença.
Natália Correia, in A Mosca Iluminada
apud Natália Correia- Antologia Poética, Dom Quixote , organização de Fernando Pinto do Amaral
terça-feira, dezembro 04, 2007
S.
curioso que a digitalização da lombada saísse com este ar fantasmagórico, com um apagamento no lado direito! podia repetir a operação, mas achei que o resultado servia perfeitamente o propósito expressivo da questão que me ocupava enquanto levantava a tampa do scanner. o problema tinha realmente a ver com fantasmagoria e nevoeiro!lembro-me de que há uns anos, depois de ter lido A Costa dos Murmúrios, da Lídia Jorge, se reforçou em mim com mais clareza ainda a fragilidade do senhor facto, da fidelidade narrativa do real, da História. já me debatia com a questão, começando a padecer de bloqueios de opinião pela provocação da dúvida e da incerteza que me picava a mente, baixinho, por dentro. sabes se é assim? sabes se foi assim? e se contassem doutra forma? não estavam lá dos dois lados, e se contassem doutra forma?
tudo isto, não porque queira explorar a questão colonial nos termos em que é abordada por Lídia Jorge e comparar fontes, sendo uma delas o livro à esquerda, mas apenas porque o bacyllus timoratus do não-sabes-em-bom-rigor-como-foi-a-coisa tem atacado e tem obrigado a escavar com mais profundidade o senhor S.
* claro que esta leitura só vai agravar o estado das coisas, obrigando-me a ler mais e muito mais. é evidente.
Etiquetas: o medo "usa ceroulas de malha"