sexta-feira, fevereiro 27, 2009
artificial
ao fim de vinte e oito anos a respirar em português, apenas ontem senti com maior profundidade que é o substantivo arte que está na raiz do adjectivo artificial. isto, a propósito do homólogo alemão künstlich, com que me deparei ontem. muitas vezes, é à distância da familiaridade que tudo parece mais claro. alguém se há-de rir com uma constatação tão óbvia; eu própria, ciente de que não fumo aqueloutro cachimbo, já o sabia, mas a verdade é que desde ontem que ando desconfortável com a evidência desta irmandade arte+artificial.
quarta-feira, fevereiro 25, 2009
o riso do carteiro, a alegria do peixeiro que passa cá pela rua, ou dos vendedores de castanhas, que, infelizmente, não param perto de minha casa, irradiam qualquer coisa, coniventes com este sol de fevereiro.
terça-feira, fevereiro 24, 2009
segunda-feira, fevereiro 23, 2009
dois
ambas circunstâncias imprevisíveis. o rosto que em batimento pretérito se amou, com quem imprevisivelmente nos cruzamos, é visão que semeia incredulidade e desconforto: como é que é possível que se já tanto, agora nada? ou o rosto que se pensava pretérito, com quem após um um longo hiato nos cruzamos: como é que possível que depois de tanta desconstrução, distância e esquecimento, ainda.
igualmente constatável com o mero avistar ilusório de alguém parecido. válido para cada uma das situações acima expostas. aqueles traços a conduzir o carro ao lado, quase idênticos, mas que, afinal, não são a nossa pessoa. tal basta para sondarmos a verdade mais recente do coração.
sábado, fevereiro 21, 2009
viaggio in italia umas horas depois
senti uma diferença entre este final feliz e qualquer outro a que já tenha assistido. mesmo sendo reconciliatório, deixa em aberto alguma medida cíclica da tensão. a pergunta de alex, imediatamemte anterior ao desenlace, não dilui completamente a questão do orgulho. não se trata de não aceitar o reestreitar do elo que une ambos como genuíno, será, antes, senti-lo como intermitente e descontínuo. a ideia de que o músculo da felicidade é de exercício e treino incessante. tudo isto, sem laivo algum de cinismo. estava com saudades de planos com diálogos ou monólogos interiores ao volante.
peixe assado
ando a atravessar uma fase algo a-verbal, sendo que, simultaneamente, não paro de me debater com uma série de questões. ora, se os debates interiores me visitam (nada têm que ver com angústias, alguns deles chegam até a atingir o ludismo das consequências articuladas), é porque vêem vestidos de palavras. então: estou ou não estou a-verbal? é o binómio pensamento-sentimento que continua por resolver. deve ser daí que vem a questão. tenho sentires que me percorrem, mendigando signo, código e referencialidade à palavra, sem serem propriamente pensamentos compactos, apenas sentimentos.
mas isto não é possível, pois não?
ai é?
acho melhor ir almoçar; o peixe, quando é assado, não se deve deixar arrefecer.
quarta-feira, fevereiro 18, 2009
'Can an instantaneous cube exist?'
'Don't follow you,' said Filby.
'Can a cube that does not last for any time at all, have a real existence?
'Filby became pensive. 'Clearly,' the Time Traveller proceeded, 'any real body must have extension in four directions: it must have Length, Breadth, Thickness, and - Duration. But through a natural infirmity of the flesh, which I will explain to you in a moment, we incline to overlook this fact. There are really four dimensions, three which we call the three planes of Space, and a fourth, Time. There is, however, a tendency to draw an unreal distinction between the former three dimensions and the latter, because it happens that our consciousness moves intermittently in one direction along the latter from the beginning to the end of our lives.'
H. G. Wells The Time Machine >
segunda-feira, fevereiro 16, 2009
o anúncio do homem que conserta guarda-chuvas e afia facas. o eco flauteado que me entra pela janela. não fui a tempo de ligar o microfone do leitor de mp3, embora ainda tenha saltado da cadeira. peço desculpa pela ausência do som que se impunha. creio que pelo menos os leitores nortenhos (ocorre-me a dúvida se o código é nacional!) estarão familiarizados com o som, é só fazer apelo à memória acústica.
sábado, fevereiro 14, 2009
sexta-feira, fevereiro 13, 2009
chegada
é uma espécie de feixe. um devassar longitudinal. um meridiano de luz e de calor que atravessa de intuição e responde à pergunta. o mesmo disco, a mesma rotação, a mesma agulha. uma mente outra. nem hora nem dia: não há anúncio para a chegada. requintes do invisível. permanece, porém, a memória do não anunciável, do a-anunciável. dúvidas futuras hão-de saber que a sua resposta consorte não tardará no caminho.
quarta-feira, fevereiro 11, 2009
Não calques
a leveza
dos passos
levitando.
*
Ver velava
a evidência
do olhar
a evanescer
*
A delícia
de ver
entre venda
e indício.
*
Só Apolo
embriaga
Diónisos
de sol.
*
Onde a mão
só alcance
o que nunca
tocar.
dos passos
levitando.
*
Ver velava
a evidência
do olhar
a evanescer
*
A delícia
de ver
entre venda
e indício.
*
Só Apolo
embriaga
Diónisos
de sol.
*
Onde a mão
só alcance
o que nunca
tocar.
Oxímoros José Augusto Seabra
Granito, Porto, 2001
segunda-feira, fevereiro 09, 2009
boa noite e o troco
equívoco, equívoco!
não há nada de abúlico ou mórbido em querer deitar-me cedo. não é uma questão de fechar os olhos ao mundo. não há desejo nenhum de suspensão do tempo. o agrado do aconchego. sim. o conforto do recolhimento em posição de feto. naturalmente.
mas porquê?
para despertar com todo o viço, para ser capaz de apreender o dia seguinte com toda a potencialidade dos sentidos. é o inverso do que parece. ora, então, boa noite e o troco!
sábado, fevereiro 07, 2009
लोखा समस्ता सुखिनो भवन्तु
lido em sânscrito: LOKHAA SAMASTAA SUKHINO BHAVANTU. Que todos os Seres de todos os mundos sejam felizes. um gomo do que vou aprendendo com o meu instrutor de yoga. quando uma ideia desta natureza nos consegue arrebatar genuinamente, desde o nível acústico e estético do mantra até ao caroço do nosso espírito, há um frémito inefável que nos atravessa, do topo do crâneo até ao cabo dos dedos dos pés. ao acordar, ao deixar o cântico ecoar no íntimo, nem que seja nos segundos que antecedem o aquecer da água matinal, em paralelo com o barulho do correr do chuveiro, há uma ressonância imediata de paz. qual paz... não cabe em paz o que se sente, nem em harmonia, nem em paz e harmonia conjugadas (que ainda por cima dão vontade de rir assim enunciadas a par, dada banalização do uso e a caricaturização em que caíram). é muito maior. claro que se as operações puramente lógicas da mente dispararem e interferirem demasiado, o efeito pode ser contrário, o coração impregna-se de areia, pesa muito com o questionar de como será possível operacionalizar tal voto de modo absoluto. já pensaste a sério no que estás a dizer? - rosna a lógica implacável. mas os outros sectores do espírito não lhe respondem. não se pode dar sempre assim tanta confiança a essas intimidações aritméticas. repito a emanção do voto e não abdico. faço o que sei. quando posso. não estou para aturar os teus limites, ó lógica. tens tanto de genial, como de imbecil. volta mais tarde. faz-te útil. descalça esses tacões de lógica assenhorada. estás a fazer muito barulho.
sexta-feira, fevereiro 06, 2009
sempre a gerar presente, sempre a gerar passado
já por cá escrevi sobre isto. ai que se tornam recorrentes certas vontades... treinar a evocação de momentos únicos experienciados. da irrepetibilidade dessa factualidade, desse dado absolutamente consumado - seja um ciclo, um dia, um momento dentro de um dia, um pixel dum momento - extrair o que ainda é reproduzível, ou seja, a essência espiritual da vivência, o sentimento que nos irrigava as veias na altura em que a ocorrência que seleccionarmos teve lugar. será impossível reverter completamente momentos disfóricos, até porque eles têm uma razão. uma função. são cinzéis. assim acredito. com concentração e treino (a repetição no tempo aprimora essa recuperação) o contrariar da contrariedade começa a surgir com espuma e força de projecção de onda; vem limpar qualquer coisa, apesar de a não chegar a dissolver por completo, obra do eterno compasso inexorável do cosmos, sempre a gerar presente, sempre a gerar passado.
terça-feira, fevereiro 03, 2009
segunda-feira, fevereiro 02, 2009
nevoeiro
símbolo do indeterminado, de uma fase de evolução: quando as formas ainda não se distinguem, ou quando as formas antigas que desapareceram ainda não foram substituídas por formas novas precisas. (...) O nevoeiro precede as revelações importantes; é o prelúdio da manifestação.
Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, in Dicionário dos Símbolos, Ed. Teorema
domingo, fevereiro 01, 2009
Lippen schweigen Franz Lehár (Die lustige Witwe)
os vídeos com orquestra filmada ou valsa dançada não tinham um soprano tão macio como aqui. uma vez que nem sempre aprecio a interacção dos cantores, rendi-me a esta sequência de imagens. aliás, quando gosto de ópera - ou gosto e chego à lágrima, ou não tenho sintonia alguma, entedio-me - e tenho necessidade de revisitar a composição, gosto de fazê-lo de olhos fechados.