domingo, novembro 19, 2006


quando a criada espreita pela fechadura já o filme vai a mais de metade.
o morto que afinal não tinha morrido já havia confessado o seu passeio por identidade alheia – a do seu irmão gémeo – que, com a sua presença revelada, sempre tangível, sempre possível, inevitavelmente real, consegue ressuscitar a memória ida, passada, intangível, perdida, impossível-naquele-presente do falecido segundo marido daquela que nunca deixara de ser sua mulher.
mais um manoel de oliveira.
manUel, este, já que por duas vezes assim aparece na ficha técnica introdutória. em 71 ainda não se tinha convertido à diferença de manOel.
vicente sanches: nome do pai da peça com o mesmo nome do filme: O Passado e o Presente. não soa com muita força, mas baptiza duas horas sui generis. alvo número um: o casamento? também. talvez mais como ponto de partida para reflectir sobre algo mais amplo: a fixação pelo inalcançável, pela opção que se perdeu e já não se tem, a idealização do amor levada ao extremo da anulação de uma qualquer possibilidade táctil. não sei. arrancou-me risos nas cenas do jardineiro, elemento fulcral para não fazer da – em todos os sentidos - saída de cena do segundo marido uma banalidade. não vale a pena mencionar a erupção altissonante da marcha nupcial fora de horas em mais do que uma cena, só ouvendo. quando ela contemplava fotografias do suposto falecido marido, humilhando absolutamente o marido com quem se casara pela segunda vez, o ridículo era tão cortante que nem consegui ficar com as papilas amargas, nem me conseguia rir. isto, o tom tragicómico, é difícil de modelar e infundir no público. o filme, a meu ver, vale, em muito, por isso.
quando a criada espreita pela fechadura, já o filme vai a mais de meio.
dentro do quarto, ela desembrulha uma encomenda que alguém vem entregar a sua casa: o novo retrato da sala de entrada.
e é claro que já se sabia quem lá se estava encaixilhado...
qualquer dúvida, vejam o filme.

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