
lembro-me perfeitamente do dia em que dei com o copo partido. a janela da cozinha aberta e a banca de cinzento escancarado. lembro-me de ter pensado que devia ter arrumado a louça há mais tempo e que se assim tivesse sido nada daquilo aconteceria, mas lembro-me de ter ido logo buscar a máquina em primeiro lugar, não, primeiro ri-me, depois contemplei, depois é que veio a culpa, depois a máquina. lembro-me de me ter cortado no dia seguinte, junto à entrada, num pedaço que a vassoura não conseguiu abranger por estar a varrer sem óculos ou sem lentes (o meu hábito protocolar de despir a cara para jantar e ver o resto do dia com o desfoque impressionista dos míopes). lembro-me de pensar que por vezes era bom partir e estilhaçar para poder espiolhar os fragmentos com detalhe: os gomos de vidro formavam galerias e subgalerias de fendas lindíssimas. lembro-me de achar que segurava células de vidro divididas e subdivididas a cálculo divino enquanto as apanhava aos pedaços. lembro-me de voltar a ter aquele pensamento de que o divino nunca se consegue deter assim em mãos, varrer e apanhar para arrumar, até porque aí nós é que somos copo, às vezes estilhaço. lembro-me de ter pensado que o fascínio é exactamente esse. íamos agora poder analisar os pedaços de tudo, de tudo do todo, do nosso todo e do dos outros, do mundo! a sede acabava num gole. as horas tornavam-se de uma saciedade insuportável. era o que faltava uma equação p'ró tudo!
Etiquetas: Teometria
2 Comments:
Gole a gole, bebemos a liquidez dos sonhos num copo cheio de promessas...
estilhaço a estilhaço, aprendemos a complexidade do todo. devagar:)
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