terça-feira, outubro 21, 2008

De que cor será sentir?

Fernando Pessoa, numa carta a Mário de Sá-Carneiro (não sei precisar a data, porque extraio a pergunta, de memória, do filme Conversa Acabada, de João Botelho)

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Castanho, beige ;-)

21 outubro, 2008 21:11  
Blogger icendul said...

acho que o poeta fumava à cowboy: cigarro directo e aguardente.não sei se essa boquilha combina:P

"castanho, beige": é curioso.talvez haja tantas cores quantos sentires, em variação de modo, contexto, intensidade...

21 outubro, 2008 22:30  
Anonymous Anónimo said...

fumava de boquilha, sim. A Ofélia tirou-a pq "O Fernando fumava mto".

Acho q tem razão, qto à cromação afectiva;não sei pq,mas a mim afigura-se-me q o castanho ou o beige são a cor q ilustra um sentir Olímpico, sábio. :-)

22 outubro, 2008 09:50  
Anonymous Anónimo said...

Vale bem a pena ler a arta por completo (aqui vão só partes, claro):

«Escrevo-lhe hoje por uma necessidade sentimental - uma ânsia aflita de falar consigo. Como de aqui se depreende, eu nada tenho a dizer-lhe. Só isto - que estou hoje no fundo de uma depressão sem fundo. O absurdo da frase falará por mim.
Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.
Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a minha consciência do meu corpo, que sou a crianca triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Março, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.
No jardim que entrevejo pelas janela caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto; e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginacão, ter balouços para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu estado de alma neste momento. Como à veladora do “Marinheiro” ardem-me os olhos, de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por interstícios. (...)
Se eu não estivesse escrevendo a você, teria que lhe jurar que esta carta é sincera, e que as coisas de nexo histérico que aí vão saíram espontâneas do que me sinto. Mas você sentirá bem que esta tragédia irrepresentável é de uma realidade de cabide ou de chávena - cheia de aqui e de agora, e passando-se na minha alma como o verde nas folhas.
Foi por isto que o Príncipe não reinou. Esta frase é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas dão uma grande vontade de chorar.
(...)
De que cor será sentir?
(...)

Fernando Pessoa»

22 outubro, 2008 19:57  
Blogger icendul said...

obrigada:)no filme acho que também se ouvem apenas partes.

23 outubro, 2008 11:34  

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