embora andasse com detreza e ligeireza, apoiava-se numa bengala à barão do século XIX, preta, luzidia, encimada por uma esfera prateada. barrou-me o caminho, esticando uma espécie de mediatriz no passeio com o dito adereço: qual é a sua opinião sobre o caso madie? não foi propriamente por respeito aos seus prováveis setenta e alguns, até porque fui impedida de continuar a subir a rua da constituição, estando com relativa pressa... creio que foi a compaixão pela pesca de um interlocutor que aquela criatura tentava. já tenho pressentido olhares destes no metro: uma inquietude que nos fixa, bocas prestes a deitar por fora qualquer coisa. a senhora estava obcecada, é certo. repetiu cinco vezes uma parte do depoimento da mãe, articulava raciocínios lógicos, falava com lucidez, sentenciava com fúria contra a PJ portuguesa e não me perdoava o cepticismo - justo ou injusto, pouco sindicalizado, observador. fui-me afastando, depois de meia dúzia de minutos de conversa. no final, o que eu suspeitava:obrigada! sem qualquer ressonância do protocolo jornalístico, foi uma genuína expressão de gratidão pelo troco - ainda que divergente - de que beneficiou por ter recebido atenção. quando chegar a casa, não sei se poderá contrariar alguém. valha-lhe a televisão para poder extrair mais citações.
2 Comments:
intrincados
os fios
que tecem
a condição
humana
(suspeito que a bengala serviria para amparar a solidão...)
(subscrevo)
Enviar um comentário
<< Home