quarta-feira, julho 23, 2008

embora andasse com detreza e ligeireza, apoiava-se numa bengala à barão do século XIX, preta, luzidia, encimada por uma esfera prateada. barrou-me o caminho, esticando uma espécie de mediatriz no passeio com o dito adereço: qual é a sua opinião sobre o caso madie? não foi propriamente por respeito aos seus prováveis setenta e alguns, até porque fui impedida de continuar a subir a rua da constituição, estando com relativa pressa... creio que foi a compaixão pela pesca de um interlocutor que aquela criatura tentava. já tenho pressentido olhares destes no metro: uma inquietude que nos fixa, bocas prestes a deitar por fora qualquer coisa. a senhora estava obcecada, é certo. repetiu cinco vezes uma parte do depoimento da mãe, articulava raciocínios lógicos, falava com lucidez, sentenciava com fúria contra a PJ portuguesa e não me perdoava o cepticismo - justo ou injusto, pouco sindicalizado, observador. fui-me afastando, depois de meia dúzia de minutos de conversa. no final, o que eu suspeitava:obrigada! sem qualquer ressonância do protocolo jornalístico, foi uma genuína expressão de gratidão pelo troco - ainda que divergente - de que beneficiou por ter recebido atenção. quando chegar a casa, não sei se poderá contrariar alguém. valha-lhe a televisão para poder extrair mais citações.

2 Comments:

Blogger lupuscanissignatus said...

intrincados

os fios

que tecem

a condição

humana



(suspeito que a bengala serviria para amparar a solidão...)

26 julho, 2008 22:36  
Blogger icendul said...

(subscrevo)

06 agosto, 2008 15:47  

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