moral breve
na porta do frigorífico, dividida em prateleiras e tampas transparentes, vê-se um nestlé de leite, dos grandes; no andar de baixo, três caixas de vacinas que o vizinho pediu para alojar, dada a avaria no seu electrodméstico homólogo. empresta-me um pouco do seu frio seria, no fundo, um pedido justo e sincero de se fazer. mas não. não o fez assim. mesmo sendo uma alma dada à poesia, não formulou assim a coisa. sinto falta de enunciações deste tipo, sem o adiar para a montra do papel. veio a empregada com as caixas na mão, depois do telefonema.
sendo termicamente frios, podemos ser socialmente calorosos.
3 Comments:
pois...tens tanta razão.
e a poesia nem sempre o é...
pedidos enunciados como o desejavas suscitariam demasiadas incompreensões. e também encontros, talvez ainda mais receados do que as incompreensões. a poesia quotidiana exige pessoas de coração aberto, o que não está fácil de encontrar. quem suportaria frequentemente tais declarações de intimidade, de pertença a um mesmo mundo, como «empresta-me um pouco do seu frio?»... tempos houve em que éramos, em obtusas classificações, considerados animais de sangue quente. que arrepio...
e nem eu saberia devolver resposta à altura, se ouvisse o que pedi.certamente, coraria o que não contribuia em nada para o frio!
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