terça-feira, novembro 13, 2007

vertigo II

quando me referi a síntese resolutora penso na proposta de resolução de um qualquer problema, numa janela respiratória que consiga fazer com que uma obra de arte seja genial exactamente por combinar a vertigem - seja ela qual for - com a sua superação, com um esboço de resolução. e isto nada tem a ver com um happy end paraquedista. nenhuma grande conquista íntima nos é ligeira, súbita ou evidente. achei o Vertigo genial e percebo que se houvesse alguma resolução para a angústia do detective o impacto final não seria o mesmo. no entanto, mais como reflexão geral sobre a construção artística do que como uma crítica ao filme em si, digo que o mercúrio do meu termómetro só chega aos 40 º quando há esboço de resolução.

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Interessante reflexão, sobretudo, porque hoje fui à Cinemateca ver o Amor de Verão do Bergman e acho exactamente o contrário do que descreveste. A perfeição de uma obra artística advém da fluidez e da aparente simplicidade com que os elementos se dispõem e entram em contracena. Nada tem a ver com resoluções. Eu pinto a passagem, disse Montaigne, e mais nada um artista pode pintar senão a passagem, a máscara e a nudez, o enunciar do problema, o nu frontal, pois não há solução, a vida é tragédia. Como diz a protagonista do filme que referi é "bela e horrível" e o artista o que faz é fazer ver essa beleza e horror e mandar-nos de novo viver, porque o artista, tal como o herói, é aquele que vê a morte de frente e não cede a ela.

aveugle.papillon

13 novembro, 2007 19:09  
Blogger icendul said...

discordemos, então!
embora ache que qualquer forma de arte é sempre legítima, a minha de eleição será a não-tua. a "resolução" não exclui (não pode) a focalização do trágico,desenha-lhe uma janela.

(ai os jacarandás da rua barata salgueiro!)

13 novembro, 2007 20:03  
Anonymous Anónimo said...

Sim. Mas o que entendes por uma forma de arte resoluta, ou melhor, que indique uma resolução? Quando digo que não há solução, não quero dizer que o artista é apático, aliás muito pelo contrário. No caso do Bergman (e não é amor de verão, mas um verão de amor - sorry, até a ordem das palavras são preconceitos!) a protagonista diante do patético da sua vida, lança-se a ela, não desiste. Diante do luto, desfigurou-se e vestiu-se de novo. O que quero dizer quando digo que não há solução é que a arte não tem obrigação de responder a ninguém; aliás, primariamente, a arte desinquilibra-nos, porque muitas das vezes suspende-nos em perguntas que nós, na nossa vida, ainda não tinhamos chegado a elas ou até mesmo nunca iremos chegar, daí que quantas vezes não compreendemos um livro, uma frase ou uma instalação ou um diálogo.
Voltando a minha pergunta inicial, gostaria de perceber melhor a resolução que falas, mesmo que de maneira descritiva ou exemplificativa.

13 novembro, 2007 22:38  
Blogger carteiro said...

Esta construção de ideias deixou-me a pensar. No melhor dos sentidos. Acho que com o tempo comecei a aceitar que alguns filmes não tenham de ter essa resolução. Tentar por um lado perceber o porquê dessa decisão e ver se me faz sentido. Nunca pensei numa ideia bem fundamentada acerca disto para te responder agora com clareza mas no fundo acontece-me o mesmo. Apenas com esse esboço de resolução "o mercúrio do meu termómetro (...) chega aos 40".
(Excelente expressão!) :)

14 novembro, 2007 00:49  
Blogger icendul said...

aveugle.papilon:

não vi esse bergman, a reflexão era geral, a partir do vertigo. bem sei que a arte não é obrigada a nada, daí ter ressalvado que qqer uma das suas expressões é legítima. no entanto, há sintonias idiossincráticas, há preferências, e as minhas tendem a valorizar uma estrutura que não finde em agonia. no caso do Vertigo, não deixo de reconhecer genialidade ao sr hitchcok e ao romance em que foi inspirado o filme, mas a estrutura acaba com a mesma angústia e a mesma ferida traumática com que inicia e o meu íntimo não procura isso, procura uma (não "a") alternativa ao abismo. mesmo que não seja uma solução cabal, pode ser apenas a intenção de construir um modo de fazer face à angústia. isto não quer dizer que o tratamento plástico do abismo, por si só, não possa ser apreciado, claro que pode, mais, todos precisamos de catabases para termos uma noção justa e sólida deste mundo, mas o termómetro de cada um sobe mais ou menos de acordo com factores de busca individual, cada um ajuizará segundo a sua bitola interna e subjectiva; no meu caso, uma (entre outras) saída ou atitude de reversibilidade que se desenhe é um factor importante. as reproduções da tristeza e da angústia podem ser incrivelmente belas. são-no frequentemente. mas isso não "me" basta. lembro-me de um filme que esteve em exibição há uns anos, "L.I.E.", com um grande enfoque na marginalidade, pedofilia e que tais, sem qualquer rodeio ou feixe solar. tocou-me pelo modo como terminava: não havia soluções esboçadas perante a morte e a perda dos que se amam e a degradação, mas o filme terminava com o "sobrevivente" central, no mesmo plano de filmagem inicial - um viaduto - a recusar que aquele "caminho" - a estrada era metafórica - o matasse, como tinha feito aos seus. nada de sorrisos, soluções definidas ou gorjeios de pássaros, apenas um esgar de determinação num grande plano da marcha final da personagem. descrito parece pobre, desinserido da estrutura não é impactante, mas para mim, no fim de tudo, foi de uma subtileza pungente - terás visto o filme? ajudava:). não sei se fui clara, e é possível que nesse bergman haja ingredientes destes, qdo o vir, escreverei no prolongamento destas teclas;)

neste tópico ainda resolvi a questão da tragédia grega, mas aí há a "hybris" pelo meio, o que complica e aprofunda consideravelmenteme a estrutura e me implicará anos de estudo para te poder responder de forma fechada. portanto: nada de objectar com os teus gregos, ok?:P aviso previamente que vou ficar encravada!

carteiro:

como escrevi acima, aceito tudo, e percebo a dificuldade de gerir certas tramas sem que se caia em desenlaces bacocos. limitei-me a partilhar uma preferência individual, apenas, e repito: mesmo sem "resoluções" consigo apreciar a construção por si só, posso é não ficar com tanta febre:P

14 novembro, 2007 16:36  
Blogger icendul said...

correcção:*ainda "não" resolvi a questão da tragédia grega.

14 novembro, 2007 16:42  
Anonymous Anónimo said...

o termómetro de cada um sobe mais ou menos de acordo com factores de busca individual, cada um ajuizará segundo a sua bitola interna e subjectiva; no meu caso, uma (entre outras) saída ou atitude de reversibilidade que se desenhe é um factor importante.

Parto desta tua frase porque que me parece que resume a tua ideia. A idiossincrasia é importante para o juízo de gosto, mas aquilo que me propus a comentar é objectivo. Quando te disse para me exemplificares uma obra de arte com “resolução” foi um pedido honesto e não irónico, porque de facto quando falas da noção de reversibilidade é algo que continuo sem entender. Uma história (neste caso, uma tragédia) quando é realmente boa, verosímil e universal, como diria Aristóteles na Poética, demonstra precisamente a irreversibilidade da experiência. O sentimento do irrepetível, do extinto, ou do que nos ultrapassa; a angústia é o sentimento tão adorado pelos existencialistas, precisamente, porque, segundo eles, lhes devolve autenticidade ao espírito e isto significa que nos dá a consciência da finitude, da morte. Ora, isto é à parte de idiossincrasias, é humano.

Em segundo lugar, diante do exemplo que me deste, receio que, então, tenhamos enveredado por lições de estilo profusas, porque realmente o que quis dizer com o filme do Bergman é que a protagonista tem a tal experiência do irreversível, mas o filme acaba com ela a dançar (é bailarina) e a abraçar o seu companheiro de quem, por via da sua experiência de angústia, sentia estranheza. Ou seja, é também claro para mim que tenha que haver regresso ao mundo, que tenhamos que recompor tudo de novo e perseguir a vida. O filme não se funda em agonia, mas também não nos diz que a vida é uma alegria.

Sobre a tragédia grega e muito brevemente: a tragédia continua a ser o modelo para muitas composições, provavelmente o modelo ideal como diria Nietzsche, no entanto a tragédia grega é uma fábula para nós, nós não a entendemos e não mais a entenderemos, pois as tragédias serviam acima de tudo como celebração aos deuses, em particular de Diónisos; eram orações sob forma de grandes encenações. A discussão sobre a tragédia como ideal estético será exclusivamente estilística e desprovida do seu sentido original, incomensurável para nós.

14 novembro, 2007 19:09  
Blogger icendul said...

aveugle.papillon:

sei que o pedido foi genuíno, se não o achasse, não te responderia com o cuidado que respondi:)

reversibilidade: a anímica, a lente escolhida para olhar a tragédia ou o problema, nunca uma solução ex machina para algo não acontecer, mas sim face a uma tragédia consumada ou a uma angústia factual, reverter o modo como se encara e se resolve interiormente a questão, porque a gestão do sofrimento é feita no íntimo, não a ocorrência factual que faz sofrer, essa sim, irreversível - a perda causada por uma morte, por exemplo.

idiossincrasia: na expectativa do desenvolvimento, não na ausência ou manipulação de uma experiência trágica que desencadeia um qqer cenário de sofrimento. claro que são humanamente inevitáveis certas circunstâncias, daí ter-me referido à necessidade das "catábases" e da "parte" que devem tomar numa criação.

14 novembro, 2007 22:41  
Anonymous Anónimo said...

Sim, duas notas:

Então poderíamos afirmar que há reversibilidade no filme do Bergman. Não há nas tragédias gregas, em que o acaso trágico acaba por minar todas os agentes de forma drástica, ou um erro seguido de outro (suicídios, homicídios, mutilações, etc.)

É interessante fazeres referência às "soluções" ex-machina, porque, por exemplo, para Nietzsche, e para mim tb, o modelo trágico obteve a sua excelência por Sófocles e a sua decadência por Eurípedes, precisamente por este introduzir o elemento ex-machina, uma grosseira sublimação do sofrimento.

15 novembro, 2007 11:40  

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