quinta-feira, junho 21, 2007

calçada
encosta-se sempre com uma disciplina de expediente ao mesmo lampião. olha de lado, sem encarar, e baixa a cara, para a voltar a erguer de encontro ao edifício da frente. terá crianças para alimentar? tenho um amigo que me diz ser intuível quando são reféns da situação ou quando nem tanto. eu não consigo, nem sequer tento apurar nada. o certo é que aquela presença não me deixa indiferente. não a encaro fixamente, por achar que a vou constranger, mas é inevitável perceber-lhe alguns movimentos rápidos, ao passar. há uns dias, foi precisamente por baixar os olhos que detectei na sombra do passeio que virou a cabeça na minha direcção, quando já ia de costas. questionei-me sobre o que pensou, se realmente olhou para mim, não para mim, concreta e individualmente concebida, mas para a imagem de outra mulher que desce o seu dia de trabalho por aquela rua, rumo a casa. quem por ali passa, ao fim da tarde, encontra-a com uma regularidade de porte, local e hora geometricamente conjugados, como a precisão dos cubos brancos de calçada portuguesa que vai sendo calcetada pelos passos dos que voltam do trabalho ou da escola. é possível que por essa hora ela tenha apenas acabado de chegar.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"outra mulher". que crescidas que estamos.

22 junho, 2007 22:23  
Blogger icendul said...

por acaso:a formiga já acha que tem catarro!

:P

23 junho, 2007 14:42  
Blogger un dress said...

fizeste.me lembrar um poema do antónio gedeão...



beijO

24 junho, 2007 13:51  
Blogger icendul said...

qual, un dress?
agora tem de citar!:P

24 junho, 2007 15:24  

Enviar um comentário

<< Home